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A crítica à violência por trás da carne em “Infância”, de Coetzee

Carneiro é o animal mais constante em suas obras quando aborda o consumo e abate de animais (Fotos: Reprodução/Tras Los Muros)

No romance autobiográfico “Infância”, de 1975, o escritor sul-africano J.M. Coetzee, que é vegetariano e venceu o Nobel de Literatura de 2003, já apresentava uma perspectiva diferenciada em relação aos animais e ao consumo de carne.

Embora ele tenha desenvolvido com mais profundidade suas ideias sobre o assunto décadas depois, por meio dos livros “Elizabeth Costello” e a “Vida dos Animais”, que são obras convergentes, em “Infância” há seminal rejeição à romantização do consumo de animais.

“Mas depois de ver Ros abatendo um carneiro, ele não gosta mais de pegar na carne crua. De volta a Worcester, prefere não entrar em açougues. Sente repulsa pela naturalidade com que o açougueiro joga um pedaço de carne sobre o balcão, o fatia, enrola em papel pardo e anota o preço. Quando escuta o uivo rascante da serra cortando os ossos, tem vontade de tapar os ouvidos”, narra na página 63 de “Infância”.

“Não se importa de olhar para fígados, que têm uma vaga função no corpo, mas desvia o olhar dos corações na vitrine, e especialmente das bandejas de miúdos. Mesmo na fazenda, ele se recusa a comer miúdos, embora sejam considerados um prato requintado. Ele não entende por que os carneiros aceitam seu destino, por que nunca se rebelam, em vez de seguir mansamente para a morte.”

O consumo de animais aparece de forma diversa, mas sempre instigando reflexões, em menores ou maiores passagens, em outras obras de Coetzee, incluindo “Juventude” e “Desonra”. O carneiro é um dos animais mais constantes em seus livros quando aborda o consumo de carne ou o abate de animais.

“Se os cervos sabem que não há nada pior no mundo do que cair nas mãos dos homens, e se batem para escapar até o último suspiro, por que os carneiros são tão estúpidos? São animais, afinal, têm os sentidos aguçados dos animais: por que não escutam os últimos berros da vítima atrás do abrigo, sentem o cheiro do seu sangue e percebem? Às vezes, quando ele está no meio dos carneiros — quando eles foram reunidos para o banho de inseticida, quando estão cercados e não podem escapar —, pensa em sussurrar-lhes, avisá-los do que os espera”, continua na página 63.

Um pouco antes, na página 52, Coetzee aborda uma mudança no cenário rural com a morte de um patriarca e a venda de todos os animais, que também partem por obrigação, que é imposição.

“Primeiro venderam os cavalos, depois os porcos foram transformados em banha (ele viu o tio atirar no último porco: a bala entrou atrás da orelha; o animal deu um grunhido, um grande peido e desabou, primeiro de joelhos, depois de lado, estremecendo). Depois foram-se as vacas, e os patos.”

É importante ressaltar que “Infância” não é dedicado à relação do protagonista e de outros personagens com os animais, mas os não humanos não deixam de desempenhar um papel que, inspirado na realidade, na secundarização da condição não humana, influenciou a consciência de J.M. Coetzee em relação a hábitos de consumo.

Referência

Coetzee, J.M.. Infância (1975). Companhia das Letras (2010).

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Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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