Conversando sobre hábitos de consumo, alguém diz que “os animais existem para nos servir”. Isso é uma verdade? Sim e não.
Sim, porque não é inverdade que animais são trazidos ao mundo para servirem aos interesses humanos, logo não é irrealidade dizer que “existem para nos servir” se for uma constatação de que “estão ‘existindo’ com essa finalidade”.
Por outro lado, posso fazer uma leitura diferente, porque “existem para nos servir” é muito usado para ratificação da ideia de que o “único propósito dos animais é esse”, ainda que tal “propósito” não seja dos animais, mas de quem os subordina a essa realidade, por defini-los como um bem/propriedade de uso e abuso.
Então alguém pode alegar que não posso falar de forma extensiva em uso/abuso porque seria “generalização”. Sobre isso, é necessária a compreensão de que o abuso é inerente ao uso, porque o uso permite o não reconhecimento do abuso; e o próprio uso é forma de abuso se há determinação e imposição que tornem a vida de um animal, logo sua rotina, reduzida à instrumentalização para geração de produtos.
Se pensamos na reificação de criaturas domésticas para fins alimentícios, uma etapa subsequente da domesticação para consumo, podemos compreender que a existência desses animais já é um abuso, porque resulta de um processo inatural que consiste em trazer ao mundo alguém que já nasce condicionado a uma ausência de “liberdade do querer”, porque o “querer” nesse contexto só é aceitável se convergente às determinações desse sistema.
E sobre isso, volto-me à ideia de “os animais existem para nos servir”, que partindo da minha segunda observação é colocação por evidência supremacista e reducionista, já que as capacidades dos animais estão muito além da geração de produtos.
Afinal, são criaturas que mesmo condicionadas a uma realidade de servilismo jamais corresponderão mecanicamente a tudo que esse sistema determina. Reduzir animais a uma finalidade de consumo não anula capacidades dissociadas do consumo. Apesar de haver uma resistência de reconhecimento, esses animais, embora inaturais, manifestam características de sujeitos, e porque são sujeitos.