Quando Benjamin Franklin afirmou que carne é “assassinato sem provocação”

Uma história referenciada em algumas obras sobre direitos animais é a da desistência de Benjamin Franklin, um dos pais fundadores dos Estados Unidos, em continuar abstendo-se do consumo de animais. Ele narra que um dia, ao testemunhar peixes alimentando-se de outros peixes, decidiu voltar a comer peixes, alegando que se há peixes que fazem isso, por que ele não faria?

Sem dúvida, o ser humano pode valer-se dos argumentos mais frágeis para recuar em um posicionamento que aparentemente tem motivação moral. Todas essas “lógicas” de que animais que comem outros animais podem ser usadas para legitimar o nosso consumo de animais são equivocadas.

Que tal ver outro animal praticar algo que não praticamos e dizer que se ele o faz, por que não faríamos? Se há animais matando outros animais, e por uma questão de sobrevivência, deveríamos fazer isso também por uma questão não de sobrevivência, mas porque afirmamos que podemos e queremos?

O argumento do peixe usado por Benjamin Franklin transfere o que é inerência e/ou sobrevivência para um animal para o campo humano da conveniência, porque ao reconhecer que poderia viver e viveu sem comer animais, voltar a comê-los não anula a validade moral de sua decisão anterior – mas expõe a contradição da ausência moral de sua nova decisão.

Tendemos a utilizar em relação a outros animais somente os exemplos que servem ao interesse humano, mesmo que frágeis em lógica, e todos aqueles que dizemos que não podem ser compatibilizados são descartados. Ou seja, o outro animal existe como exemplificação quando converge aos interesses humanos, mas não pode sê-lo se conflitante a esses interesses.

Antes Benjamin Franklin havia declarado que “carne é assassinato sem provocação”, o que consta em sua biografia. Ou seja, como reverter a lógica dessa compreensão quando comer animais é basicamente “assassinato sem provocação?”

Embora eu acredite que a questão da “provocação”, se existente, não é justificativa para comer animais nem matá-los, porque não deixa de ser abstração, e isso também poderia ser dissimulado, quando comer animais e reconhecer esse ato como participar de um assassinato deixa de sê-lo por uma mudança de pensamento?

O que mais Benjamin Franklin diz em sua autobiografia 

De acordo com o livro “The Autobiography of Benjamin Franklin”, publicado em 1791, Benjamin Franklin conta que deixou de consumir animais aos 16 anos.

“A recusa em comer carne me trouxe uma inconveniência porque frequentemente passei a viver situações em que fui repreendido pela minha singularidade”, declarou. “Mas, com essa refeição mais leve, obtive o maior progresso da minha vida, conquistei grande clareza mental e melhorei a minha capacidade de compreensão.”

Revelações sobre sua simpatia e identificação com a defesa animal e o vegetarianismo da época, também conhecido como protovegetarianismo, podem ser encontradas na página 34 de sua autobiografia.

Benjamin Franklin, que foi um dos líderes da Guerra da Independência dos Estados Unidos e um dos responsáveis pela elaboração da constituição daquele país, fez uma declaração, mais tarde registrada na autobiografia, que também seria dita e readaptada até os tempos atuais, embora ele tenha voltado a se alimentar de animais:

“Penso que carne é assassinato sem provocação, uma vez que os animais que comemos não nos causaram qualquer tipo de sofrimento que justificasse o abate.”

Leia também “O corpo bovino na água foi visto como carne perdida“, “Não adianta reclamar do calor e continuar comendo carne” e “O cuidado que recebe a carne não recebe o animal“.

Jornalista (MTB: 10612/PR), mestre em Estudos Culturais (UFMS) com pesquisa com foco em veganismo e fundador da Vegazeta.

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