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Cavalo ferido por cavaleiro nas Olimpíadas é triste reflexo da dominação animal

Há uma romantização de práticas que envolvem animais e que são classificadas como “esportes”

A eliminação de um cavaleiro brasileiro das provas de hipismo nas Olimpíadas de Paris serve para uma reflexão sobre a dominação animal. Se o cavalo sangrou por causa do uso de esporas, independentemente da gravidade do ferimento, isso apenas confirma como a prática é arbitrária; porque depende do uso de “instrumentos” de imposição para garantir que o animal faça o que é exigido dele.

Há uma romantização de práticas que envolvem animais e que são classificadas como “esportes”, mas em nenhuma delas, além de não haver uma participação espontânea do animal, o domínio é uma ausência.

O domínio nem poderia deixar de existir na realização dessa prática porque o animal nunca é uma extensão da vontade humana, porque se fosse o domínio seria prescindível e haveria apenas espontaneidade.

Ninguém pode dizer que a importância que um suposto “esporte” tem para o ser humano tem também para o não humano que disso participa involuntariamente. Esses animais não buscam prêmios, medalhas, glórias, fama.

Nesse exemplo das Olimpíadas, o sangue encontrado na região afetada pelas esporas é confirmação de uma resistência, uma recusa. Há quem diga que “o animal é resistente e que não dói”. Mas isso somente ratifica que, se é preciso ter algo para estabelecer comando, e que fere, é porque o animal não se vê como expressão de uma realização humana. E por que seria diferente?

Não permitir que um animal seja o seu próprio sujeito, não o impede de se manifestar em prol desse interesse – e que surge de forma ainda mais perceptível nesses casos que exemplificam um conflito entre o humano e o não humano. O segundo não deixa de ter interesses próprios mesmo quando há muito submetido ao domínio humano.

Sempre há situações que vêm à tona que confirmam isso, a reivindicação do animal do “seu próprio”, como quando algo é feito em uma situação em que o animal não corresponde a um comando humano mesmo quando há muito tempo já passou e passa por condicionamento. Afinal, o animal ainda é um animal, e atua como tal, e não como uma construção mecânica.

O que a reação de um cavalo ferido por esporas tem em comum com tantos outros animais explorados para os mais diversos fins humanos é que isso reflete como há situações em que é impossível negar que o que é feito com esses animais é resultante de exploração. Afinal, é possível romantizar o sangramento de um animal por uma ação humana baseada em um interesse humano?

Normalmente a maioria mantém os olhos fechados para o quanto isso é comum, porém podem ser trazidos com mais facilidade à realidade nesses exemplos que parecem destoar do ordinário, mas que evocam exatamente o que é ordinário, o que é comum na arbitrária relação humana com tantos outros animais.

Ainda há uma insistência na crença de que há práticas de uso arbitrário de animais que não são exploração e sim “reciprocidade”, como se os animais não humanos não estivessem sempre em desvantagem diante dos fins humanos.

Se pesados os interesses humanos e não humanos, não é difícil perceber que os interesses não humanos sempre serão desconsiderados no atrito com interesses humanos, porque a ampla aceitação do especismo permite a contraditória crença em uma “reciprocidade” que não passa de conveniente desigualdade.

Afinal, toda afirmação de “reciprocidade no uso de animais é determinada pelo que maiormente beneficia o ser humano (ou que, no mínimo, julga beneficiá-lo). Mas a instrumentalização de animais para interesses humanos sempre envolverá excessos e violência, porque são inerentes ao exercício de domínio, e ser dominado não é algo que por inerência esses animais desejam.

Leia também “Montar em animais é exercer domínio sobre eles”“Por que montar em cavalos?” eQuando Nietzsche reagiu à violência contra um cavalo

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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