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Consumidores querem carne, mas também querem o matadouro longe deles

Matadouro é reafirmação da distância entre o humano e o não humano

Foto: Aitor Garmendia
Foto: Aitor Garmendia

O matadouro é reafirmação da distância entre o humano e o não humano, e não apenas em relação ao que é morte, mas rejeição ao pensar na morte. Há quem diga que os matadouros foram afastados dos olhos do público não com o objetivo de “não pensar no que ocorre lá dentro”, e sim por questões sanitárias.

Mas a história está repleta de exemplos em que os matadouros foram levados para as periferias das cidades, ou para áreas não urbanas. Ter sempre ao fácil alcance dos olhos um espaço de morte, mesmo que onde opera-se o que é desejado, não significa, por contradição, ser celebrado. Há um desejo pela carne consoante rejeição à proximidade com a morte.

Keith Thomas cita em “O Homem e o Mundo Natural”, que já em 1548, John Foxe narra que “tal era sua disposição que mal poderia passar pelos matadouros sem uma sensação de dor”. “Na época medieval e no início dos tempos modernos, as autoridades civis […] viam os matadouros como um problema, e com frequência tentaram situá-los para fora dos muros da cidade” (2021, p. 416).

Sobre um tempo mais recente, Juliana Fausto lembra em “A Cosmopolítica dos Animais” que em 1878 o primeiro matadouro de Curitiba (PR) foi inaugurado e, de acordo com determinação pública, “no subúrbio” por ser “estabelecimento perigoso, insalubre e incômodo”.

John Berger observa em “Por Que Olhar para os Animais?” que no século 19 um processo, consumado pelo capitalismo das transnacionais do século passado, que inclui essa não interação enquanto “vida” entre “quem come e quem é comido”, significou um passo mais além na ruptura da relação entre humanos e não humanos, embora desde a Idade Média o incômodo em relação à localização dos matadouros já estivesse presente.

Coetzee, por meio de Elizabeth Costello, analisa nos anos 1990 a realidade da localização dos matadouros ao evidenciar que a ausência da proximidade com o matadouro não pode significar a negação de sua presença – porque o matadouro é constância.

A negação do contato com o matadouro, do qual queremos distância, é o que trazemos do matadouro para nossas vidas, porque se nos alimentamos de animais, quando deixamos de estabelecer contato com o matadouro que rejeitamos?

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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