Alguém pode dizer que nem toda exploração de animais para consumo é uma validação da crueldade. Mesmo que eu concordasse com essa afirmação, não é a percepção de que são animais para consumo que permite a crueldade?
Afinal, se não víssemos animais dessa forma, será que eles seriam submetidos a esse tipo de violência que chama atenção mais pelo que as pessoas, mesmo enredadas nas predileções por proteína animal, reprovam apenas em situações que julgam “anormais” por que geram algum tipo de estranhamento?
Um animal, por exemplo, ser arrastado por uma corda presa ao seu pescoço pode despertar também reprovação em quem alimenta-se de animais, porque acredita que um animal deve sofrer violência de forma que não pareça tão desagradável.
Ou seja, o problema não é a subjugação, o aprisionamento ou a morte, mas como esses processos se dão. A violência deve ocorrer “como disseram que deve ser, e desde então acredito que deva ser assim – numa continuidade que não quero invalidar”.
Se não foge à “realidade” que encaro como “minha aceitável verdade” pela ideia comum balizada pela institucionalização, muito é permitido em relação aos animais – e práticas que não aceitaríamos se fossem sobre outros animais que não escolhemos para tais violências.
É como dizer que não há problema na violência, desde que esteja dentro das minhas políticas de consumo. Acredita-se em uma “quantidade certa de violência”, em uma maneira violenta que não reconhecemos como violenta pela crença de que “não posso admitir que não há uma forma não violenta de matar”.
“Não posso dizer nem reconhecer que consumo violências.” Mas se olhamos para os instrumentos usados para o fim dos animais, podemos insistir em uma ideia de “não violência”? Em que contexto, choque, tiro e degola podem ser vistos como parte de práticas “não violentas” de matar?
É importante pensar no que representam esses “instrumentos” usados nessas ações para quem é alvo delas. Assim podemos ter um olhar menos enviesado às nossas predileções, às nossas crenças de “consumo adequado de violências”. Afinal, que percepção podemos ter da pistola ou marreta pneumática e da faca usada para abrir o pescoço?