No livro “O que diriam os animais?” a filósofa belga Vinciane Despret relata que no início do século 18 muitos animais na Europa e na América colonizada integraram processos penais.
Ela cita como exemplo um julgamento de 1713, realizado no Maranhão, onde cupins foram considerados responsáveis pela destruição de parte de um convento dos franciscanos da Piedade que desabou em consequência de sua presença nas fundações.
“O advogado que lhes foi designado argumentou de forma engenhosa: cupins, disse ele, são criaturas industriosas: trabalham duro e adquiriram de Deus o direito de se alimentar.”
Despret narra que o advogado chegou a duvidar da culpa dos animais, e porque a destruição era, segundo ele, apenas o triste resultado da negligência dos frades.
“Em vista dos fatos e dos argumentos, o juiz decidiu obrigar os frades a oferecerem uma pilha de madeira aos cupins; estes receberam, por sua vez, a ordem de deixar o monastério e de limitar sua louvável habilidade à pilha de madeira.”
A filósofa avalia que tais práticas podem parecer-nos exóticas, irracionais e antropomórficas. Segundo ela, não raro tornam-se alvo de incredulidade jocosa. No entanto, observa que esses processos também podem revelar uma sabedoria que reaprendemos a cultivar aqui e ali.
“Além disso, os processos que dizem respeito à destruição de plantações ou de propriedades humanas por animais passavam frequentemente pela busca de um compromisso. Tais compromissos guardam algumas semelhanças com aqueles que estamos reinventando com os animais. “
Referência
DESPRET, Vinciane. O que diriam os animais? Pp. 129-130. São Paulo. Ubu Editora. 2021