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Howard Lyman, a redenção de um ex-pecuarista

Howard Lyman, o homem que abandonou tudo por respeito aos animais (Foto: Reprodução)

Eu acordava cedo, fazia a roçada, ouvia os pássaros cantando e me sentia como o guardião do Éden. Meu sonho era ser um fazendeiro. Então fui para a Universidade Estadual de Montana [nos Estados Unidos] estudar agricultura. Comprei uma fazenda orgânica e com o passar dos anos eu já possuía mais de sete mil cabeças de gado e mais de 12 mil hectares. Lembro como se fosse hoje quando trouxemos os animais e demos a eles entre 7 e 21 vacinas.

Cortamos os chifres, castramos eles, injetamos hormônios e os alimentamos com resíduos e antibióticos. Na fazenda, eu via tantas moscas juntas que você podia pegá-las aos montes apenas abrindo e fechando as mãos. Por isso levantávamos cedo, quando não havia nevoeiro, e pulverizávamos inseticidas por toda a propriedade.

Havia sempre uma grande nuvem flutuando sobre o gado, sobre a água e sobre a comida, e o inseticida atingia tudo. Duas horas mais tarde, o gado se alimentava e bebia aquela água contaminada. Essas são as coisas que aprendi na Universidade Estadual de Montana.

E pensei que estava tudo bem. Mas em minha mente, quando eu observava os pássaros mortos, as árvores morrendo, o solo mudando, eu nem me atrevia a pensar em como eu estava gastando centenas de milhares de dólares em produtos químicos. Eu era o responsável por tudo isso.

Meu irmão faleceu aos 29 anos, e ainda hoje acho que ele morreu por causa desses produtos químicos que usamos na fazenda. Em 1979, quando eu estava no auge da minha carreira, fiquei paralisado da cintura para baixo. É preciso muita concentração para direcionar sua atenção para outra coisa que não seja a sua situação.

No hospital, os médicos disseram que eu tinha uma chance em um milhão de voltar a andar por causa de um tumor dentro da minha coluna [ele começa a chorar porque se sentiu da mesma forma que os bovinos antes de serem abatidos – também debilitados a ponto de não conseguirem se movimentar].

Fui levado para a sala de cirurgia e operado durante 12 horas. Eles removeram um tumor do tamanho do meu polegar. Saí do hospital depois de uma operação com uma chance de sucesso em um milhão. Me lembro de estar na fazenda após a operação.

Eu estava no banheiro e me olhei no espelho, e foi a primeira vez na minha vida que fui honesto comigo mesmo. Toda a minha vida eu disse que amava os animais. E então me perguntei: “Se você realmente ama os animais, se você se importa com eles tanto quanto diz, por que come eles?”

Eu nunca vi um animal pular e dizer que quer ser um hambúrguer. Estive em centenas de matadouros, vi milhares de animais morrerem, e sempre que eu os observava, eu notava que eles sabiam o que aconteceria com eles. Havia o cheiro de morte. Eu me questionava: “Existe alguma necessidade disso?”

Eu vi o medo nos olhos desses animais, mas até então não me permitia pensar a respeito, até que saí do hospital. E quando me questionei, quase derrubei a pia do banheiro. Eu não poderia ir até a minha esposa e discutir isso com ela. Como dizer que temos milhões de dólares investidos em um negócio baseado em alimentar e matar animais? Como eu poderia dizer: “Talvez o que devêssemos fazer é sair desse negócio!”

Como eu desabafaria com meus amigos quando todos eles estavam trabalhando no mesmo ramo que eu? Não tive nenhum apoio. Mesmo que eu tentasse recorrer ao meu sacerdote, seria em vão, porque ele também comia carne tanto quanto eu. Foi o momento mais difícil e mais solitário da minha vida quando abandonei tudo.

Excertos dos depoimentos de Howard Lyman no documentário Peaceable Kingdom. Ele é um ativista dos direitos animais que abandonou a atividade de pecuarista para viajar pelos Estados Unidos realizando palestras e promovendo a nutrição vegana e a expansão de fazendas orgânicas sem exploração animal. 

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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