Quem tem acompanhado a política brasileira já deve saber da denúncia feita por Mauro Cid de que o general Braga Netto recebeu dinheiro do “pessoal do agronegócio” para financiar o golpe que derrubaria o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conforme veiculado por tantos meios de comunicação.
Independentemente do desfecho, isso mostra o poder que o agronegócio tem hoje no Brasil, e se destinou dinheiro para essa finalidade é porque aqueles que estão em posição dominante no agronegócio brasileiro não querem menos do que determinar, e da forma mais arbitrária possível, os rumos da política brasileira.
Claro, uma política que seja conveniente aos seus interesses, sem espaço para o contraditório, já que é isso que se busca com ações que visam o rompimento com a democracia. Isso mostra que aqueles que têm grande poder no agronegócio já não se contentam em lançar e financiar políticos que defendam seus interesses.
Não querem apenas colocá-los também nas comissões de meio ambiente para que ocorra uma articulação que impeça que projetos que realmente funcionem em defesa do meio ambiente cheguem a algum lugar, já que entram em conflito com seus interesses. Não basta usar seu poder e influência para tentar sufocar no legislativo qualquer antagonismo aos males da agropecuária. Eles querem mais, querem ter total controle sobre o Executivo nacional, rejeitando até o resultado da eleição.
Isso mostra a que ponto a ganância do agronegócio chegou. Afinal, tudo isso é sobre dinheiro e poder. Esse mesmo sistema que tanto lucra com a crueldade contra os animais, também banaliza a degradação ambiental, além de ser um dos segmentos que mais se destacou durante a pandemia por casos de covid-19, atingindo principalmente trabalhadores da indústria da carne.
Ademais, quem não leu nos últimos anos denúncias sobre trabalho análogo ao escravo envolvendo o agronegócio? Agora imagine se o “pessoal do agronegócio” teria todo esse poder, de financiar um golpe, se houvesse uma grande mudança de consumo. A força econômica do agronegócio está principalmente na agropecuária.
Não imagino uma forma melhor do cidadão brasileiro contribuir para o fim desse tipo de influência do que deixar de consumir produtos de origem animal. Do contrário, eles continuarão influenciando os rumos da política brasileira, porque continuarão ganhando muito dinheiro com a violência contra os animais, com a degradação do meio ambiente e com a exploração do trabalho humano.
Procure saber quanto ganha um trabalhador que atua na linha de produção de um frigorífico ou de uma avícola, o que estiver mais próximo de você, e a quais riscos ele se submete diariamente para receber um salário miserável, além de ser uma atividade que, dependendo da função, gera grande impacto psicológico e emocional. Estudos sobre o tema também não faltam.
Enquanto isso, os que estão no topo desse sistema fazem o que podem para manter a situação favorável aos seus interesses, não aos interesses de todos. Essa tentativa de golpe no Brasil, se há envolvimento do agronegócio, não tem outro fim que não seja aumentar a concentração de riquezas, poder e influência.
Mas o agronegócio só pode ter poder com base no consumo, porque sua receita depende do consumo. Hoje não é novidade que os produtos de origem animal, ou aqueles que surgem em relação com a oferta de produtos de origem animal, estão no topo da escala de impactos nocivos – pensemos nos animais (explorados e mortos) e no meio ambiente (subutilização ou subaproveitamento do solo, degradação do solo, desmatamento, emissões de carbono).
E o impacto ambiental, claro, além de prejudicar a fauna e a flora, é também um impacto na vida humana, já que atinge cada vez mais a nossa saúde. A própria Constituição reconhece que os cidadãos têm direito a um meio ambiente equilibrado e porque isso é necessário também à vida humana.
No Brasil, o agronegócio na forma da agropecuária trata a terra de forma tão desrespeitosa que quando uma área é degradada por essa atividade, eles passam a ocupar terras virgens onde intensificam o desmatamento. Por quê? Porque é mais barato e o objetivo é obter o maior lucro com o menor número possível de despesas. Como isso não reflete um desrespeito pela terra e pelo meio ambiente?
O problema também é que o agronegócio tem tanto poder para fazer esse sistema parecer somente positivo que as pessoas acreditam em falácias como ser o segmento que sustenta a economia brasileira, que é o que mais gera empregos, entre outras afirmações que servem somente para perpetuar interesses que beneficiam uma minoria, mas que são tratados como se fossem também de todos. E qual é o percentual de trabalhadores que atuam nesse sistema que realmente ganham bem?
Sobre o assunto, sugiro a leitura de um artigo acadêmico intitulado “Três mitos, três incômodas verdades sobre o agronegócio brasileiro”, publicado recentemente por pesquisadores brasileiros da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) na revista “Estudios Rurales” da Universidade Nacional de Quilmes, na Argentina. A publicação rebate as afirmações de que o agronegócio é a riqueza do Brasil e que o segmento se destaca na geração de empregos e ocupação da força de trabalho.
Todos os embates hoje em que a defesa animal não consegue prevalecer em conflito com esse sistema decorre também do poder econômico que o agronegócio possui. O tamanho da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), ou bancara ruralista, também é um reflexo disso. Hoje são 340 parlamentares, entre deputados federais e senadores.
Olhemos também para o exemplo da cruel exportação de gado vivo, uma luta tão antiga e ainda assim uma prática não abolida porque os interesses do agronegócio acabam prevalecendo sobre os interesses que se voltam ao bem-estar animal. Isso parece moral, justo?
O agronegócio se concentra muito na propaganda de que o único sistema possível de produção de alimentos é o sistema dominante determinado pelo próprio agronegócio. Mas essa é a verdade ou é a verdade deles? Hoje há novos sistemas de produção, há o resgate ou popularização de velhos sistemas de produção.
Há pessoas buscando inspiração em práticas que levem em conta que o atual sistema de produção dominante de alimentos não é sustentável e que é preciso mudar, e não apenas mudar como inspirar – já que a influência precisa ser grande o suficiente para transformar esse cenário.
A agricultura no Brasil precisa ser mais horizontal, não vertical. Também não pode ser uma agricultura em que alguns mandam e todos os outros seguem a cartilha. Mesmo pequenos produtores tendem a atribuir mais responsabilidade ao que está fora do agronegócio do que dentro dele.
Mas será mesmo que os problemas que eles enfrentam não surgem dentro desse sistema e pelo próprio formato desse sistema? Essa verticalidade se reflete hoje no cenário político brasileiro, no desrespeito do “pessoal do agronegócio”, para parafrasear o termo usado pelo delator Mauro Cid, à democracia. Há sistemas que visam romper com essa cultura de normalização do desrespeito à terra e a tantas formas de vida, humanas e não humanas. Parece que o sentido da palavra “agronegócio” tira o sentido dos valores em si que não são monetários porque sequer podem sê-los.
Se observamos o que o agronegócio significa hoje na prática, mesmo fora do que abordei em relação ao cenário político brasileiro, é difícil não perceber que é um sistema que não combina com o futuro porque não combina valores humanos e não humanos que deveriam ser inegociáveis, porque é estritamente sobre lucro. Afinal, basta olhar para as consequências e refletir sobre os problemas já citados.
Imagine um Brasil, que já sofre com tantos problemas ambientais, estiagens, bruscas variações climáticas e de repente há um golpe financiado pelo agronegócio. O “pessoal do agronegócio” não investiria dinheiro em um golpe militar se não tivesse interesses em vista. E equivocado seria não reconhecer que o país viveria uma realidade ambiental ainda mais sombria.
Enfim, também acredito que não adianta criticar o sistema, mas na prática não participar de algo que reduza o poder político nocivo do “pessoal do agronegócio”. Portanto volto a defender que se o poder do agronegócio está principalmente na agropecuária é coerente não consumir produtos de origem animal, que é uma forma simples e cotidiana de participação também cidadã.
Observações
Ainda que se diga que não se pode generalizar o agronegócio, o que vale neste artigo é que tipo de influência o agronegócio tem exercido no cenário nacional com base na correlação que foi feita. São aqueles que ocupam posição de maior influência que determinam os rumos do agronegócio no país e até mesmo impactam na vida dos pequenos agricultores. Portanto ninguém está livre de ser impactado ou prejudicado por essas figuras do agronegócio que hoje já não se contentam em tentar influenciar políticos – eles querem decidir quem deve ou não exercer função política, independentemente da vontade popular da maioria.
Devemos lembrar também que se o Brasil continua distante de cumprir suas metas climáticas é porque o agronegócio tem usado o discurso de sustentabilidade apenas como propaganda, como “greenwashing“, que no Brasil também tem sido chamado de “mentira verde”, que surge quando se faz de conta que está contribuindo para favorecer o meio ambiente. Tal prática existe apenas como tática para influenciar a opinião pública e não para promover uma mudança na realidade quanto ao seu nocivo impacto ambiental.
Leia também “Globo não deveria promover um alto consumo de carne“, “É coerente defender o meio ambiente e comer carne?” e “Faz sentido ser ambientalista e defender a caça para consumo?“
Uma resposta
Li 2 vezes para absorver bem certos pontos.
Excelente artigo, foi duro de ler pois me despertou indignação e desesperança diante da situação.
Coitados dos animais…parece que essa exploração e esse abuso não vai acabar nunca.
O veganismo é a única coisa que podemos fazer.