Uma reflexão a partir de “Conversa de Bois”, de Guimarães Rosa
Em “Conversa de Bois”, de Guimarães Rosa, há uma observação que também leva a pensar no olhar antropocêntrico que pesa sobre outros animais:
“Podemos pensar como o homem e como os bois, mas é melhor não pensar como o homem…” (Sagarana, p. 274). Não é dito que devemos assumir o pensamento do boi, mas se pensamos no boi, o que devemos pensar que não seja sobre o homem e para o homem?
Se o boi existe à medida do interesse humano, o boi é um vazio sem o ser humano? O pensamento humano em relação ao não humano deve ser um pensamento como mero interesse humano? Se é esse interesse, o boi é o micro do homem? O apequenamento não humano?
Claro que se julgamos pensar como o boi também não escapamos ao antropomorfismo.Porém há algo que faz uma diferença, que é não atribuir ao animal uma consciência que não é sua (principalmente se essa consciência é uma conveniência), mas também não negar que esse animal tem uma própria consciência.
Não é a minha consciência que deve habitar esse animal, mas a consciência que existe nele que minha consciência deve reconhecer. Por que devo rejeitar essa consciência que já era reconhecida antes da era comum? Antes de tudo que chamam de moderno e que reconhecem como natural e inerente à atualidade?
Não preciso projetar-me no animal que vejo nem projetá-lo em mim. O animal é “quem”, se visto ou não como “quem”, e sendo o seu “quem” que não pode ser o seu próprio, isso não evoca algo de arbitrário logo errado?
Não se pode obliterar um animal que não seja um quem, porque para não ser quem, ele teria de não ser o animal que é. E se ainda assim, ele é dominado e destruído, o que pensar sobre essa percepção de quem?
O quem não humano é essa consciência abstraída pela morte, que não pode ser completamente vencida com vida, porque por mais que um animal seja dominado, sua breve vida também é feita de antagonismos em formas diversas – expressões, movimentos, sons, dores, emoções, reações.
O íntimo do animal é sempre o seu íntimo, independentemente do imposto controle sobre o corpo. Quando o animal é um constante aval? Realmente, é melhor não pensar como o homem, se é pensar pelo arbitrário interesse do homem.
Referência
Rosa, João Guimarães. Sagarana. Coleção 50 anos. Editora Nova Fronteira.