Peixes, as maiores vítimas da violência humana

Foto: Selene Magnolia

Nesta semana marcada por campanhas que antecedem o Dia Mundial Pelo Fim da Pesca, no domingo (29), é importante lembrar que segundo estimativa da organização britânica Fish Count, pelo menos 790 bilhões de peixes são mortos em seu próprio habitat em decorrência da ação humana, e o total pode chegar a 2,3 trilhões – sem contabilizar os criados em cativeiro. Esses números colocam os peixes, em relação a volume, como as maiores vítimas da violência humana.

Negação do reconhecimento da capacidade de sentir dor

Quem nunca viu um peixe asfixiado com uma expressão que não fosse similar a do desespero? Ainda assim, são os animais capturados para consumo ou criados com essa finalidade a quem a humanidade mais nega reconhecimento da capacidade de sofrer, e apenas porque o sofrimento deles não mimetiza muito o nosso.

A dor dos peixes é ignorada porque, ainda que o animal se debata muito antes de morrer, ou se esforce para se livrar de uma rede ou anzol, poucos qualificam isso como uma real dimensão de sofrimento, e porque é mais fácil crer que tal dor inexiste, ainda que seja uma criatura que sangre ou que traga uma clara expressão de que morreu em decorrência da asfixia que sobrechega à violência da captura realizada com instrumentos penetrantes que perfuram e/ou rasgam sua carne e boca.

Há peixes que sofrem por até quatro horas após a captura

Enquanto alguém comemora a satisfação de tirar um peixe da água, o animal agoniza. Há espécies como o arenque, bacalhau e badejo que podem sofrer por até 50 minutos após a pesca. Outros, por até quatro horas, como é o caso do linguado. Já imaginou tanto tempo assim de sufocamento antes de ser eviscerado?

Uma pesquisa divulgada no último trimestre de 2019 apontou que peixes podem sofrer de forma muito semelhante aos mamíferos, incluindo humanos. De autoria da pesquisadora Lynne Sneddon, do Instituto de Biologia Integrativa da Universidade de Liverpool, na Inglaterra, o estudo afirma que os peixes hiperventilam e deixam de se alimentar quando estão sofrendo.

‘Quando sujeitos a um evento potencialmente doloroso, os peixes mostram mudanças adversas no comportamento, como suspensão da alimentação e atividade reduzida, que são interrompidas quando recebem um medicamento para alívio da dor”, informa a autora.

Sofrimento semelhante ao dos mamíferos

Lyne Sneddon também percebeu que quando peixes em cativeiro recebem algum estímulo doloroso, eles esfregam a boca na lateral do tanque da mesma forma que esfregamos os dedos dos pés. Além disso, os animais são capazes de detectar quando são feridos. E nesses casos, um “breve reflexo” é indicativo da tentativa em se afastar do mal que está provocando a dor.

O estudo intitulado “Fish experience pain with ‘striking similarity’ to mammals” e publicado na revista Philosophical Transactions, da Royal Society, também sustenta que “o teste para determinar se um animal sente dor é se há alterações em seu comportamento” e, sem dúvida, os peixes provam que sim. A publicação defende que há evidências de que o sistema nervoso dos peixes tem os mesmos receptores do sistema nervoso humano.

Peixes têm alguns sentidos superiores aos dos humanos

Outros estudos também defendem essas semelhanças. Mais um exemplo é “Fish Intelligence, Sentience and Ethics”, publicado na revista Animal Cognition. No trabalho, o professor Cullum Brown, do Departamento de Ciências Biológicas da Macquarie University, em Sydney, na Austrália, escreveu, baseando-se em suas pesquisas, que peixes têm suas próprias tradições, inteligência sofisticada e capacidade de cooperação e reconciliação, além de facilidade em reconhecer uns aos outros.

Ademais, alguns sentidos dos peixes são superiores aos dos seres humanos. “O nível de complexidade mental dos peixes está no mesmo nível de outros vertebrados, e há evidências de que eles podem sentir dor de maneira semelhante aos seres humanos”, registrou.

Um dos animais mais explorados pela humanidade, os peixes são quase sempre “colhidos” em ações violentas praticadas pela indústria pesqueira global. Também são as maiores vítimas da aquicultura intensiva e comumente são reduzidos a animais de estimação e objetos de pesquisa. “Os peixes raramente recebem o mesmo tipo de compaixão que oferecemos aos vertebrados de sangue quente. Parte do problema é a grande diferença entre a percepção das pessoas sobre a inteligência do peixe e a realidade científica”, argumentou Cullum Brown.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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