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Em “Pequeno Grande Homem”, protagonista decide se matar após testemunhar crueldade da caça

No filme, Jack vê que um animal arrancou a própria pata a dentadas para se livrar de uma armadilha de caça

No filme “Pequeno Grande Homem”, de Arthur Penn, quando o protagonista Jack (Dustin Hoffman) decide viver como um ermitão em uma cabana no meio da mata, ele vê algo que descobre ser muito comum – um animal silvestre arrancou a própria pata a dentadas para se livrar de uma armadilha de caça.

Jack fica tocado ao reconhecer o desespero do animal em garantir a libertação, mesmo que isso o tenha obrigado a deixar um pedaço de si na armadilha. O testemunho dessa crueldade, para ele, é uma afirmação do quanto o animal preza pela vida e faz o que pode para evitar a dor, assim como muitos outros animais que passaram e passam pela mesma situação.

Embora o filme se passe na segunda metade do século 19, armadilhas e consequências como as que chocaram Jack ainda são recorrentes. Enquanto abalado observa a pata do animal, ele apoia o rosto com uma mão. Assim o membro que ele sente é no animal mutilado o membro ausente.

A experiência com a armadilha de caça é o estopim que o leva a atear fogo na própria cabana. Segundo ele, motivado por algo que se iluminou em sua mente, e que podemos perceber que é um eufemismo para o seu grande mal-estar e desesperança no ser humano. “Decidi que a vida não valia a pena ser vivida, e que a única coisa a fazer era me misturar com as estrelas.”

Jack então usa outro eufemismo para o suicídio, que ele decide concretizar saltando de um penhasco. Apesar do desespero, ele vê, no exato momento em que saltaria, algo que faz com que mude de ideia, despertando um súbito anseio por justiça.

Jack é um sujeito com conflitos de pertencimento porque, embora branco, foi criado por Cheyennes, de quem se separa em várias fases de sua vida, partindo e retornando. Quando ele decide viver sozinho em uma cabana na mata, isso já evoca sua condição de sujeito entre dois mundos.

No entanto em nenhum momento isso deixa de evidenciar que o principal problema está no “mundo branco”, o que estende-se também a uma relação mais cruel com outros animais – como, por exemplo, nas ordens em que o general Custer (Richard Mulligan) exige que os animais que vivem com os Cheyennes também sejam sumariamente mortos, em uma brutal ratificação de dominação e destruição.

Não que não seja possível identificar uma relação arbitrária com outros animais no “mundo não branco”, mas em “Pequeno Grande Homem” é notório que há uma mensagem de que a crueldade tende a ser uma premissa do invasor (motivado por interesses desarmônicos), e também por uma correlação de desconsiderações. Não por acaso a crueldade reconhecida por Jack a partir de um testemunho de caça decorre também de uma invasão que, mesmo hoje quando defendida, não tende a ser vista de tal forma tanto quanto poderia e deveria.

O filme está disponível no YouTube.

Leia também “Caça aos javalis, um engodo a favor da crueldade“, “Em ‘Underwater’, humanos são caçados no fundo do oceano“, “Em ‘O Caçador de Ratos’, humano também é rato” e “Sobre o termo ‘colheita’ usado para ‘suavizar’ a barbárie da caça“.

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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