Pitágoras, o filósofo grego que condenou o consumo de carne

Pitágoras: “Enquanto o ser humano for implacável com as criaturas vivas, ele nunca conhecerá a saúde e a paz” (Pintura: Peter Paul Rubens)

Dos filósofos da Grécia Antiga, Pitágoras é sempre apontado como o primeiro a criticar o consumo de carne e a matança de animais. A ele é atribuída a célebre frase: “Enquanto o ser humano for implacável com as criaturas vivas, ele nunca conhecerá a saúde e a paz. Enquanto os homens continuarem massacrando os animais, eles também permanecerão matando uns aos outros. Na verdade, quem semeia assassinato e dor não pode colher alegria e amor.” Tal frase foi registrada pelo poeta romano Ovídio, reproduzindo o discurso do filósofo grego.

Embora Pitágoras tenha se aproximado do que seria definido mais tarde como um tipo de vegetarianismo místico, há registros e relatos que revelam que ele realmente se preocupava com os animais não humanos, não apenas com a mácula e com a violência que o consumo de animais poderia causar e estimular. Para o pensador, a abstenção do consumo de animais poderia permitir que o ser humano alcançasse um grau mais elevado de consciência.

Independente de sua principal motivação em relação à defesa do não consumo de carne, o filósofo grego, que nasceu em Samos séculos antes do surgimento do cristianismo, é uma prova do quão equivocada é a crença de que a rejeição ou a crítica ao consumo de animais é uma premissa contemporânea. Seu posicionamento, em menor ou maior proporção, influenciou filósofos e pensadores como Plutarco, Sócrates, Platão, Plotino, Teofrasto, Empédocles, Ovídio, Apolônio de Tiana e Séneca, entre outros.

Pitágoras associou o ato de comer carne com uma forma de canibalismo e qualificou o ato de matar animais para consumo como assassinato. Ele afirmava que tanto os animais humanos quanto os não humanos têm alma.

Não é menos bárbaro derramar o sangue de um animal

A sua crença na transmigração de almas, ou seja, na ideia de que seres humanos podem renascer como animais não humanos e vice-versa endossava a sua posição, embora com um viés místico que mais tarde seria rejeitado pelo vegetarianismo ético. Porém, nem por isso, Pitágoras deixou de influenciar o vegetarianismo ético e até mesmo o veganismo como conhecemos hoje, já que à sua maneira, e considerando o contexto da época, ele também questionava a objetificação animal.

“As proibições de Pitágoras contra a matança e o consumo de animais não eram baseadas em superstições, totemismos ou tabu”, avalia a pesquisadora Mary Ann Violin no artigo “Pythagoras – The First Animal Rights Philosopher”, que integra o volume 6 do jornal de filosofia “Between the species”, publicado em 1990. Pitágoras defendia que não é menos bárbaro derramar o sangue de um animal do que o de um ser humano.

O filósofo grego expressou horror pela ideia de colocarmos cadáveres de outros animais dentro de nós. Ele considerava errado nos alimentarmos da “triste carne de animais assassinados”. Como registrado na obra “Metamorfoses” de Ovídio, Pitágoras disse algo como: “Enquanto come as articulações de um cordeiro, você festeja com seus bons amigos e vizinhos.” Segundo Pitágoras, os açougueiros eram insensíveis às súplicas de um cordeiro ou bezerro, apesar do fato de seus gritos serem semelhantes aos gritos de um bebê.

Também foi Ovídio quem retratou Pitágoras como um filósofo que suplicava aos seres humanos para demonstrarem compaixão pelo sofrimento de todos os seres sencientes. Além das menções a ele na obra “Metamorfoses”, outro exemplo é uma história narrada pelo filósofo neoplatônico Jâmblico e mais tarde publicada no livro “Life of Pythagoras”, traduzido por Thomas Taylor e lançado em 1818 pela J.M. Watkins, da Inglaterra.

Era de ouro sem crueldade contra animais

Jâmblico conta que quando Pitágoras estava viajando ao longo da praia de Síbaris para Crotona, ele conheceu alguns pescadores cuja rede ainda estava no mar. Naquele dia, o filósofo previu o número de peixes que eles pegariam. Intrigados, os pescadores concordaram em fazer qualquer coisa se ele estivesse certo. Quando a rede foi trazida à terra, e os peixes contados, Pitágoras acertou o número exato de peixes e pediu que fossem devolvidos à água. Assim foi feito. Nenhum dos peixes morreu durante a contagem, o que também foi visto como um exemplo da luta pela vida. O filósofo deu aos homens o dinheiro que eles ganhariam com os peixes e continuou sua jornada para Crotona.

Pitágoras era um pensador à frente do seu tempo, tanto que entre seus alunos e seguidores haviam mulheres, ex-escravizados e bárbaros. De acordo com o biógrafo Diógenes Laércio, Pitágoras libertou um jovem chamado Zalmoxis e fez dele seu amigo. Sua escola de filosofia fundada em Crotona se destacava pela organização e pelas regras relativas à conduta prática e moral.

Mary Ann Violin observou que Pitágoras negou-se a fazer distinção da carne e do sangue de animais humanos e não humanos. O filósofo costumava contar aos seus alunos e seguidores sobre uma era de ouro em que os lábios das pessoas não estavam “contaminados com sangue”. Enfatizava que era um tempo sem violência, em que todos viviam em paz. E foi exatamente pela repulsa à violência contra seres humanos e não humanos que quando Pitágoras e seus seguidores se reuniam em sacrifício aos deuses, eles apenas queimavam incensos e ofereciam mudas de carvalho a Zeus, louro a Apolo, rosa a Afrodite e videira a Dionísio. “Muitos contos milagrosos foram contados sobre Pitágoras e seu relacionamento com os animais”, escreveu Mary Ann no artigo “Pythagoras – The First Animal Rights Philosopher”.

Para o pesquisador Nathan Morgan, autor de “The Hidden History of Greco-Roman Vegetarianism”, publicado em 2010 pela Encyclopaedia Britannica, Pitágoras foi o primeiro filósofo ocidental a deixar um legado vegetariano. “Ele sentiu que o consumo de carne era insalubre e fazia com que os humanos guerreassem uns contra os outros. Por estas razões, ele se absteve da carne e encorajou os outros a fazerem o mesmo”, declarou Morgan.

O protovegetarianismo pitagórico 

Segundo a biografia “Life of Pythagoras”, de Jâmblico, Pitágoras exortou os políticos de seu tempo a absterem-se do consumo de carne. Pois, se estavam dispostos a promover a justiça em seu mais alto grau, era indiscutivelmente importante incumbi-los a não ferirem nenhum dos “animais inferiores”. Conforme palavras de Pitágoras, registradas pelo filósofo neoplatônico, como eles poderiam persuadir os outros a agirem com justiça se eles próprios provavam que entregavam-se a uma avidez insaciável que consiste em devorar esses animais que nos são aliados? “Pois, por meio da comunhão da vida estão, por assim dizer, unidos a nós por uma aliança fraterna.”

Já a Stanford Encyclopedia of Philosophy destaca que Pitágoras defendeu o vegetarianismo com base na sua crença na metempsicose, ou seja, na crença de que um mesmo espírito, após a morte do antigo corpo habitado, retorna à existência material, podendo reencarnar como ser humano ou não humano. Logo todos os animais devem ser respeitados. Também cita que Eudoxo de Cnido registrou que, além de Pitágoras se abster de alimentos de origem animal, ele evitava proximidade com açougueiros e caçadores. A Stanford Encyclopedia of Philosophy informa ainda que, consoante Porfírio, Pitágoras sugeriu que devemos evitar consumir qualquer animal como se fôssemos consumir seres humanos.

A ética pitagórica que reprovava o consumo de animais teve um importante papel enquanto moral filosófica entre os anos de 490 a.C. a 430 a.C. O objetivo de Pitágoras, de acordo com registros de seus biógrafos e seguidores, era estimular a consciência do respeito à vida independente de espécie. O filósofo grego reconhecia diferenças entre animais humanos e não humanos em relação ao raciocínio e à consciência. Por outro lado, via similitude principalmente em relação à senciência. O fato dos animais não verbalizarem suas necessidades, não deveria ser motivo para fazer deles um alvo fácil para a humanidade, na perspectiva pitagórica.

Incisivo em seu posicionamento, Pitágoras reprovava o sacrifício de animais e proibia que seus alunos ou seguidores tomassem parte nessa prática que considerava espúria. Acredita-se que o filósofo grego tenha abdicado do consumo de animais aos 19, 20 anos, passando a consumir principalmente ervas e outros vegetais. Embora haja divergências sobre como eram seus hábitos alimentares – há quem afirme que o filósofo tenha abdicado somente da carne, mas não de outros alimentos de origem animal – Pitágoras daria origem ao “protovegetarianismo pitagórico” ou pré-vegetarianismo.

A desnecessária morte de animais 

Segundo a obra “Life of Pythagoras”, de Jâmblico, Pitágoras passou a defender a abstinência do consumo de animais justificando ser uma rejeição determinante para alcançar até mesmo a paz. Argumentava que aqueles que consideravam errada e desnecessária a morte de animais não humanos eram os mesmos que reprovavam a morte de pessoas e o surgimento das guerras. Pitágoras qualificava a guerra como um grande matadouro, e se tal matadouro banalizava a vida humana, mais ainda desvalorizava a vida não humana.

O filósofo grego de Samos relatou que só aquele que reconhece a comunidade de elementos que envolve os seres humanos e os animais é capaz de estabelecer em maior grau uma comunhão com aqueles que compartilham uma alma afim e racional. Advertiu também que a justiça é introduzida pela associação com outras pessoas, enquanto a injustiça é resultado da insociabilidade e negligência humana no que diz respeito a muitas coisas, inclusive o desinteresse ao que não nos parece conveniente.

Embora a história de Pitágoras esteja às voltas com inúmeras controvérsias, até pelo fato de sua vida e obra terem sido narradas e registradas por seus alunos e seguidores, é inegável que chama a atenção reconhecer que há 2,5 mil anos um filósofo fez oposição ao consumo de animais. No entanto, não é difícil encontrar pessoas questionando sobre o motivo pelo qual essa parte da vida de Pitágoras foi tão negligenciada pela história. Afinal, ele é mais conhecido como matemático, e basicamente pela associação de seu nome ao Teorema de Pitágoras.

Saiba Mais

Entre os vegetarianos, Pitágoras foi um nome de grande relevância até o século 19, tanto que até então os protovegetarianos e vegetarianos eram chamados de pitagóricos.

Pitágoras nasceu em Samos em 570 a.C e faleceu em Crotona ou Metaponto em 495 a.C.

Referências

Violin, Mary Ann. Pythagoras – The First Animal Rights Philosopher. Between the Species. Páginas 122-125 (1990).

Iamblichus. Thomas Taylor. The Life of Pythagoras. J.M. Watkins. London (1818).

Morgan, Nathan. The Hidden History of Greco-Roman Vegetarianism. Encyclopaedia Britannica (2010).

Ovid. Metamorphoses. Oxford World’s Classics. Oxford University Press (2009).

Wynne-Tyson, Jon. The Extended Circle: A Dictionary of Humane Thought. Penguin Group (1990).

Pythagoras. Stanford Encyclopedia of Philosophy (2005-2014).

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

5 respostas

  1. Achei muito interessante, por ser vegetariano ainda como frutos do mar, mais não como carne vermelha, depois ver,que governos investem milhões em matadouros, e mãe natureza está a cada dia sendo distruida,e pra isso não tem investimentos e por ser de meu interesse investigar e saber mais sobre filosofia procurei agora relacionado e encontrei seu canal, muito boa matéria e os livros, vou adquirir los, tem que ter mais divulgações como essas.

  2. Gratidão pelo texto. Há poucos dias conheci os versos de ouro de Pitágoras e não há referencias, ao menos explicitamente, ao vegetarianismo. Esse texto abriu a minha mente. Gratidão aoa envolvidos

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