Platão: Consumo de carne pode levar a humanidade à decadência

“Os homens afirmam que é bom cometer a injustiça e mau sofrê-la, mas que há mais mal em sofrê-la do que bem em cometê-la” (Imagem: Getty)

Não é possível afirmar que o filósofo grego Platão tenha sido um protovegetariano, já que não há registros claros sobre seus hábitos alimentares. Porém, em sua obra “A República”, escrita no século 4 a.C., o discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles reconheceu a importância de uma alimentação de origem mais pacífica.

Inspirado por Sócrates e Pitágoras, Platão foi o responsável por despertar um anseio de idealização de uma cidade onde as pessoas não se alimentassem da matança de animais, o que alguns pesquisadores também interpretaram mais tarde como uma reação ao fato de que à época o consumo de carne já estava muito vinculado ao status dos cidadãos, desvirtuando princípios e valores de justiça e igualdade.

No século 3, por exemplo, Plotino conseguiu aprovação e apoio do Imperador Galiano para construir o que poderia ter sido a primeira cidade vegetariana ocidental, e que teria como referência a República de Platão. O seu nome seria Platonópolis, mas o sonho de Plotino esbarrou no Senado, que vetou a sua proposta.

Embora também tenha dito que tudo existia para benefício humano, Platão, que era adepto da frugalidade, via a abstenção do consumo de carne como um caminho contrário aos excessos e à guerra.

De acordo com o pesquisador Nathan Morgan, autor de “The Hidden History of Greco-Roman Vegetarianism”, Platão qualificava a carne como um “luxo” que poderia levar a humanidade à decadência. Embora tenha sido influenciado por conceitos pitagóricos, ele não foi tão longe quanto Pitágoras. Ainda assim, não deixou de contribuir com a discussão sobre as implicações do consumo de animais.

Um exemplo é que Platão, em sua perspectiva da era de ouro, destaca que uma das maiores conquistas da humanidade foi o estabelecimento da comunicação com os animais, a capacidade de reconhecer as verdadeiras qualidades não humanas. Nesse período, foi validado o valor da inteligência animal, garantindo à humanidade o privilégio de traçar um futuro próspero e harmonioso, como também referenciado pelo filósofo francês Michel de Montaigne.

Enaltecimento da alimentação rica em vegetais 

Por outro lado, Platão, que é considerado por muitos como pioneiro da filosofia ocidental, enfatizava a importância da razão, mesmo que isso significasse sacrificar a sensação ou a percepção. Por isso, há quem diga que nesse ponto Platão também teria contribuído negativamente para o entendimento que Aristóteles teria mais tarde sobre o valor da vida animal não humana; permitindo que a concepção e o enaltecimento de razão enquanto logos excluíssem seres não humanos.

Contudo, em “A República”, sua obra mais famosa, e inspirada nos diálogos de Sócrates, Platão não abre espaço para a exaltação da desconsideração em relação aos animais. Ele destaca a diversidade da alimentação rica em vegetais e cita que em uma sociedade ideal as pessoas prepararão farinha de cevada e de frumento. Também colocarão seus estupendos bolos e os seus pães em ramos ou folhas frescas e, deitadas em camas de folhagem, feitas de teixo e de murta.

“Regalar-se-ão com seus filhos, bebendo vinho, com a cabeça coroada de flores, e cantando louvores aos deuses; passarão assim agradavelmente a vida juntos e regularão o número de filhos pelos seus recursos, para evitar os incômodos da pobreza e os temores da guerra.” E continuou, baseando-se em um diálogo de Sócrates com Glauco, exemplificando a boa mesa a partir da adição de azeitonas, cebolas e vegetais cozidos que era costume preparar no campo.

“Como sobremesa, terão figos, ervilhas e favas; assarão na brasa bagas de murta e bolotas, que comerão, bebendo moderadamente. Assim, passando a vida em paz e com saúde, morrerão velhos, como é natural, e legarão aos filhos uma vida semelhante a deles.”

Excessos minam a justiça e potencializam a injustiça 

Na obra, Platão também deixa subentendido que um estilo de vida baseado em excessos mina a justiça e potencializa a injustiça. Ele partilha da posição de Sócrates que discorre que a “verdadeira cidade” deve ser sã – moderada e voltada para a simplicidade. Não pode ser tomada pelo arrebatamento da excitação, do consumo desenfreado.

“Parece que muitos não se satisfarão com esse padrão de vida simples e com esse regime: terão leitos, mesas, móveis de toda a espécie, pratos requintados, essências aromáticas, perfumes para queimar, cortesãs, variadas iguanas, e tudo isto em grande quantidade. Portanto, já não podemos considerar apenas necessárias as coisas a que nos referimos no começo: moradias, vestuários e calçados; teremos de levar em conta a pintura e a arte de bordar, procurar ouro, marfim e materiais preciosos de todas as qualidades. Não é isso?”, registrou o filósofo grego em “A República”.

“Os homens afirmam que é bom cometer a injustiça e mau sofrê-la, mas que há mais mal em sofrê-la do que bem em cometê-la [que é também o que a humanidade faz com os animais reduzidos a alimentos e produtos]. Por isso, quando mutuamente a cometem e a sofrem e experimentam as duas situações, os que não podem evitar um nem escolher o outro julgam útil entender-se para não voltarem a cometer nem a sofrer a injustiça. Daí se originaram as leis e as convenções e considerou-se legítimo e justo o que prescrevia a lei. E esta a origem e a essência da justiça: situa-se entre o maior bem — cometer impunemente a injustiça — e o maior mal — sofrê-la quando se é incapaz de vingança.”

Fundador da primeira instituição de ensino superior do Ocidente, Platão deixou coleções de obras que ficaram conhecidas como “Diálogos Socráticos”, “Diálogos de Transição”, “Diálogos de Maturidade” e “Diálogos de Velhice”, que somam 28 obras. Nascido em Atenas em 427 ou 428 a.C, o filósofo grego faleceu em 347 ou 348 a.C.

Referências

Platão. A República. Nova Fronteira (2014).

Morgan, Nathan. The Hidden History of Greco-Roman Vegetarianism. Encyclopaedia Britannica (2010).

Michel de Montaigne. Rosa Freire D’Aguiar. Os Ensaios. Penguin – Companhia das Letras (2010).

Plotino. The Enneads: Abridged Edition. Penguin Classic (1991).

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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