Embora o termo “gado” já seja discutível por si só, por que usá-lo de forma pejorativa? Associando principalmente bovinos ao que é negativo e reprovável sobre a atitude ou posição humana.
Ser “gado” então é ser tolo, estúpido, sem senso crítico, ignorante, alienado, etc. Há uma apropriação do sentido de ser “bovino”, que é a percepção primeira e mais comum de “gado”, para caber no que se quer criticar em relação a alguém.
Há muitos que tendem a sustentar suas críticas sobre comportamentos humanos que consideram reprováveis a partir de referências às condições animais não humanas – como se o bizarro, o execrável não pudesse ser inerente às contradições e falhas humanas, mas sim ao que é tratado como inconcebivelmente humano e satírico, e satírico porque é referenciar um humano como não humano.
Ou seja, o que há de errado com o ser humano não é o humano, mas o que sobre ele é uma percepção que evoca dele o “não humano”, e não humano como sendo alvo de depreciação por inferiorização.
Termos como “gado” e outros que situam no humano que sua falha está numa ideia capciosa e equivocada de “não humanidade” reforçam uma crença que favorece o especismo, mesmo quando não há intenção.
Então o chamar de “gado” é evocar o riso, o ataque, a ofensa. Mas faz sentido usar o termo “gado”, pensado como bovino, para esse fim? O que tem a ver o não humano, na sua condição de indivíduo e/ou parte de um grupo, com o comportamento reprovável humano?
Como referências baseadas em animais podem não ser ruins para esses animais se são pejorativas? Logo não contribuem para mudar para melhor nossa percepção e relação com eles.
O uso do termo “gado” recentemente teve grande evidência em uma reportagem destacando que há mais bovinos no Brasil do que humanos. Isso não é novidade. É realidade há anos.
O que chama atenção é que muitos ignoram que esse deveria ser um assunto para se discutir a dimensão de domínio da exploração de animais e do domínio que a agropecuária exerce no processo de ocupação de áreas no Brasil.
No entanto, muitos comentários não ultrapassam o deboche, o piadismo ou a exaltação paradoxalmente abstrata do agronegócio, do qual sequer participam. Deveria ser assim?