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Quando não conseguiu mais comer frango

Pintura: Dana Ellyn

Frango assado ficou cru. Como? Ficou mole. Sentiu nojo. Já não estava cru, mas vivo. Penas cresciam e não sabia se a ave queria sair dali. Ou sabia? Ela não conseguia andar. Balançava de um lado para outro.

Onde não havia cabeça logo cresceu uma. Olhava? Não apenas, investigava. Não tinha pés pra correr. O que fazer? Nada. Também cresceram, e já movia quatro dedos de cada um e arranhava o prato.

Barulho chato, irritante, doído, deixando risco, desenho. Afronta? Viu forma de uma lâmina. E aqueles pingos que escorrem da ponta? Vem da ponta? Não entendeu sentido. Verdade? Não. Por que o frango não levanta e vai embora?

Pensou em tirá-lo dali. Levar pra onde? Nem comi ainda. Só queria que voltasse a ser assado. Pele tostada e crocante. Mordidas, fiapos de fibra de quem partiu com 40 dias. É tempo bom? Temperinho ajuda? Engana bem? Quando volta?

Desejou olhos apagados, ausência de cabeça, de dedos, de sons, de movimentos. Uma estátua de carne pra comer? Isso sim é bom para o meu apetite. Mas não. Rosto virado e um pensamento. Como é gostoso um vazio pra encher de ausências. Bicho continuava fixo no prato. Nem tentava sair dali. Não era intenção. Não?

Encarava e quando mudava de lado o prato também acompanhava. É tipo estranho de acompanhamento. Morto ou vivo? Pra onde foi o cheiro? Dele ou do que puseram nele? Perfume ingerível de frango? Queria de volta e não voltava.

Que vá embora então. Não fique encarando. Virou as costas e contou até três. Por que não quatro? Um para cada dedo do pé que parecia emendado. Não foi. Posso comer? Pode voltar a ser ou não? Esperou resposta. Sabia que não teria. É contigo. Quem? Eu? Chega, né? Vou comer ou soltar pra lá. Não quero mais te ver.

Ficou escuro. Cadê a luz? Blecaute agora? E voltou, a luz e o frango assado. Assado mesmo? Sorriu. Quando encostou a faca, já não era assado, ficou cru e voltou a ter vida. Ficou assado de novo e continuou mudando e desmudando. Que sacanagem é essa? Era o que via e ainda vê. Então não vou comer.

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Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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