Categorias: Artes Visuais

Tattal: “Quem come carne está desconectado dos animais”

Na obra “End of the Road”, Tattal transmite a mensagem de que o ser humano só é capaz de entender a dor de um animal ao se colocar no lugar dele

Aos 38 anos, o britânico Raj Singh Tattal foi diagnosticado com Síndrome de Asperger, o que o ajudou a entender porque ele se tornava tão obsessivo quando se dedicava a alguma atividade. Embora desenhasse desde criança, quando descobriu o transtorno do espectro autista fazia 11 anos que ele tinha deixado o lápis de lado. Vegano, Tattal retomou o seu trabalho como desenhista na mesma época e, entre suas prioridades, decidiu usar a arte para fazer as pessoas refletirem sobre a crueldade contra os animais.

Para o artista, quem come carne está desconectado dos animais. “Me incomoda a maneira como os animais do campo são tratados e alimentados. Cordeiros são amados pelas crianças, mas também são mortos para o consumo humano. Há tantos adultos quanto crianças que não veem problemas nisso. E um filme que mostra essa estranha relação é ‘The Silence of the Lambs’ [O Silêncio dos Inocentes’ no Brasil]”, diz Raj Singh, também conhecido como Pentacularartist.

Ele se refere à cena em que Jodie Foster relembra a infância, quando estava em uma fazenda testemunhando a matança dos cordeirinhos que ela tanto amava. Aquela passagem cinematográfica teve tanto impacto sobre Tattal que ele criou uma obra homônima. “Foi um dos meus desenhos mais difíceis, não só a nível técnico, mas também emocional. Levei 95 horas e dez dias para criá-lo”, relata.

A intenção do artista foi transmitir a relação perturbadora entre seres humanos e animais. Quando crianças, eles amam brincar com os animais, mas quando crescem aceitam a exploração como se fosse uma parte natural da vida. “[Na obra] Os adultos que esfolam os cordeiros são supostamente as crianças que estão brincando com eles. A diferença é que elas cresceram. Cordeiros são animais amados por crianças e adultos porque são vistos como dóceis e belos. Mas isso não impede que eles tenham uma existência curta e horrível”, lamenta.

A obra feita em grafite e carvão foi a primeira da sua série sobre crueldade contra animais. Também é uma crítica ao fato de que muitos pais gostam de levar seus filhos para brincar com animais, mas não dizem a eles que aqueles belos e inocentes seres não humanos são reduzidos a pedaços de carne sobre um prato. “Espero que meu trabalho faça as pessoas pensarem sobre o que estão comendo”, enfatiza o desenhista.

Raj Singh Tattal se queixa que assim que os cordeiros chegam ao princípio da maturidade, já são preparados para a morte. “A carne de cordeiro de 12 a 20 meses é chamada de carne de um ano. A carne das ovelhas de seis a dez meses é vendida como baby lamb [carne de cordeiro bebê], e spring lamb [cordeiro primavera] são aqueles com três a cinco meses de idade. Fiquei chocado quando testemunhei corações de cordeiro vendidos em um supermercado local”, revela.

Raj Singh espera que as pessoas olhem para a sua arte e reflitam sobre o que elas estão promovendo quando estão comprando e comendo carne. Para ele, o sofrimento diário imposto a milhões de animais é um dos piores atos de maldade da humanidade. “Sou um artista londrino que trabalha com lápis de grafite e carvão, que se especializou em criar obras realistas em preto e branco. Embora eu ame todas as formas de arte, sigo pelo caminho da arte hiper-realista. E isso me inspirou a seguir os passos de artistas como Kelvin Okafor, Paul Cadden e outros. Estou em minha própria jornada para tornar realidade a minha meta de ser um artista hiper-realista”, assinala.

Na obra “End of the Road”, o Pentacularartist transmite a mensagem de que o ser humano só é capaz de entender a dor de um animal ao se colocar no lugar dele. “Não vou dizer o que sinto, mas deixarei que os outros interpretem”, comenta o reservado e enigmático Tattal. Obras que outras pessoas precisariam de pelo menos um mês, o artista londrino é capaz de concluir em apenas quatro dias. A explicação é que ele é um sujeito que passa até 95% do tempo consigo mesmo.

“Realmente não gosto de mudanças. Fiquei até 12 anos sem sair de Londres. Tenho os mesmos pares de tênis, e já comi feijões cozidos todos os dias por 20 anos. Algumas dessas coisas soam muito triviais, mas com o tempo isso começa a irritar as pessoas ao seu redor. No passado, comecei a beber para tentar me encaixar entre as pessoas e fazer amigos. Mas hoje não bebo, só desenho, e nunca fui tão feliz”, garante.

Embora suas obras mostrem verdades sombrias e desconfortáveis, ele não se considera uma pessoa mórbida, mas sim alguém que extrai algo de bom e motivador a partir do que é triste. “Todos os meus trabalhos são em preto e branco, e baseados em grafite e carvão. ‘Beauty and the Beast’, é o terceiro desenho da minha série sobre crueldade contra animais. Levei 100 horas e 13 dias para terminar. Foi um dos mais demorados e difíceis que fiz até hoje”, pontua.

Uma crítica aos testes em animais realizados na indústria cosmética, a obra coloca uma mulher na mesma situação de coelhos usados como cobaias. Embora a prática tenha sido banida na Inglaterra em 1998, Raj Singh reclama que os testes ainda são usuais em outros países. “A União Europeia tem caminhado para a proibição de testes desde março de 2009. E desde 2012, é ilegal a venda de produtos cosméticos com ingredientes recentemente testados em animais. Embora seja encorajador que vários países fora da UE também estejam tentando adotar proibições semelhantes, isso é muito comum em países como China e Estados Unidos [assim como no Brasil]”, critica.

Entre os animais mais explorados em testes de produtos estão camundongos, coelhos, porquinhos-da-índia, macacos e gatos. Testes de irritabilidade na pele são os mais comuns. Geralmente os compostos químicos são esfregados sobre a pele raspada, ou então os técnicos pingam o produto nos olhos dos animais. Coelhos confinados em pequenas caixas são mantidos com as cabeças expostas, sem qualquer possibilidade de alívio para a dor. “Eles sofrem graves lesões, chegando à cegueira. São vítimas de estudos contínuos de alimentação forçada com duração de semanas ou meses para procurar sinais de doença ou riscos específicos para a saúde, como câncer e problemas congênitos.”

De acordo com Tattal, ao final dos testes até mesmo os animais que sobrevivem são mortos. Os métodos mais comuns são asfixia, destroncamento ou decapitação. Não há nenhum tipo de anestesia. “Nos Estados Unidos, uma grande porcentagem de animais usados em testes não entra nas estatísticas oficiais nem recebem proteção da Lei de Bem-Estar Animal”, reprova o Pentacularartist. Por outro lado, ele acredita que está crescendo o número de testes sem animais na indústria cosmética, até porque, hoje, mais do que nunca, é injustificável o uso de seres não humanos com essa finalidade.

“Eu costumava achar que eu era um fracassado”

Além de desenhar, Raj Singh Tattal participa de um grupo de apoio para pessoas com Síndrome de Asperger em Londres. “Eu costumava achar que eu era um fracassado. Há pessoas que fazem você se sentir como se fosse uma má pessoa porque você não faz certas coisas. Indo ao grupo de apoio, você vê pessoas na mesma situação que você, e percebe que são boas pessoas. É reconfortante falar com alguém. Eles podem dar conselhos e ajudá-lo”, defende.

Na adolescência, Tattal se apaixonou por ilustrações em quadrinhos. Aos 15 anos, criou o seu próprio super-herói que ganhou espaço em um jornal britânico de circulação nacional. Depois estudou arte e design, e, na faixa dos 20 anos, foi para a London South Bank University. Se graduou em design de produtos, mas por causa de problemas pessoais parou de desenhar por 11 anos.

“Fiquei longe da arte. Em novembro de 2012, a descoberta da Síndrome de Asperger despertou em mim um impulso incontrolável e voltei a desenhar. Peguei meus lápis e minhas canetas, comecei a desenhar e nunca mais pensei em parar novamente. Minha paixão e amor pela arte estão mais fortes do que nunca”, assegura.

Conheça um pouco mais o trabalho de Raj Singh Tattal

http://pentacularartist.wixsite.com/pentacularartist

https://www.instagram.com/pentacularartist/

David Arioch S.A. Barcelos

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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