Uma reflexão sobre o consumo de animais a partir do filme de Jason Reitman
No filme “Tully”, de Jason Reitman, crianças estão jantando e uma delas pergunta se há nuggets de frango, porque ela só come nuggets de frango. A babá responde que esses nuggets estão cheios de hormônios do crescimento. E continua: “Sabe o que eles fazem com as galinhas? Cortam seus bicos [quando ainda são pintinhos] com uma lâmina quente para não se bicarem.”
Ela faz referência ao fato de que as galinhas também são usadas na produção de nuggets quando são descartadas pela indústria de ovos, o que é visto como bom negócio pela indústria, já que o custo da galinha torna-se menor. Uma das crianças fica surpresa e assustada e outra apenas olha para a babá, sem dizer nada.
É notório que nugget de frango é algo que quando as crianças comem, elas podem saber que é de frango, a não ser quando estão em um ambiente em que não se fala em “de frango” e a criança, se for ainda muito pequena, pode não desenvolver a curiosidade de saber do que se trata. Ainda assim, o nugget permite, mais do que outras carnes, não pensar no frango, e porque sequer é preciso olhar para a carne, já que é um empanado.
Esse é um dos motivos pelos quais crianças que dizem que “não gostam de carne”, e quando pensam em carne somente como a carne que não querem comer, comem aquilo que elas não veem como carne não porque não é carne, mas porque o próprio nome traz uma significação que precede a carne – no caso do “nugget”.
Em outra cena de “Tully”, Marlo (Charlize Theron) diz que é fácil assar frango porque é só pegar “um monte de limão e enfiar na cavidade com um pouco de sal e pimenta”. “A cavidade é a bunda?”, pergunta a filha. “Querida, isso é nojento. Não é a bunda”, diz o pai (Ron Livingston).
Nessa afirmação de nojo feita pelo pai há um exemplo de como o costume leva a uma preocupação reduzida somente à experiência de comer, já que a “bunda”, na pergunta feita pela menina, gera uma reação negativa do pai porque é sobre o frango que está na mesa. Ou seja, a morte do frango não importa, mas sim a experiência resultante da morte do animal – comê-lo, que não deve ser perturbada por questionamentos que possam gerar desconforto.
“É apenas o buraco aberto onde os órgãos do frango costumavam estar”, explica a mãe. “Isso é pior que uma bunda”, diz a menina, que faz uma associação com a ausência dos órgãos do animal. “Eu sei, Sarah. É assassinato!”, continua a mãe, atraindo olhar de preocupação da menina.
Esse é um momento destacável também porque mesmo quando alguém sabe que a carne no prato é parte de um animal abatido, e isso é pensado como ação abstrata, o impacto pode ser diferente quando outra pessoa diz que carne é assassinato. Além disso, a afirmação de assassinato, independentemente do tom, evoca o que é precedente e concreto sobre o costumeiro ato de ingerir pedaços de animais.
O filme está disponível na HBO Max.
2 respostas
VEGAZETA é minha leitura diária. Sou vegano há mais de 30 anos e fico contente em saber que existem avanços mentais (ainda poucos) sobre a matança de animais pela indústria da animália –e com mínimas reações dos tais seres humanos a tantas práticas cruéis.
Fico realmente grato em saber disso, Eduardo.