Papo com Uyara Torrente: Projeto solo e veganismo

Uyara Torrente: ” Acho que o veganismo me traz uma sensação de coerência com as coisas que escolho” (Foto: Rosano Mauro Jr.)

A cantora e atriz Uyara Torrente, mais conhecida como vocalista de A Banda Mais Bonita da Cidade, que conquistou grande visibilidade nacional e internacional a partir de 2011, está se preparando para iniciar uma nova etapa na carreira. No próximo dia 17, Uyara lança o seu primeiro single solo “A Temperança”, música que traduz as transformações pessoais da cantora nos últimos dois anos. Regionalismo, cosmopolitismo, modernidade, espiritualidade, busca pelo autoconhecimento e respeito à vida – são elementos diversos que compõem “A Temperança”. Para conversar sobre o projeto solo, a VEGAZETA encontrou Uyara na casa de seus pais, Neli e Dorival, em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, onde batemos um papo sobre as motivações por trás da nova trajetória que inclui o veganismo. Essa foi a primeira entrevista da cantora sobre o projeto. Confiram:

O que despertou o interesse por um projeto solo paralelo ao trabalho com A Banda Mais Bonita da Cidade?

No começo, a ideia de um trabalho solo quase me assombrava, mas o meu coração foi me direcionando muito pra isso. Só que eu não sabia o que seria. Aí tive algumas vivências muito bonitas, em um processo de autoconhecimento. Fiz terapia, rituais xamânicos, coisas que me botaram de encontro comigo. Aí veio o meu encorajamento. E o meu companheiro, que é o meu parceiro de amor e vida, que é o Marano, baixista da Banda Mais Bonita, me estimulou muito e resolvi dar esse passo. Então estou lançando o meu projeto solo, ainda não é com o disco, é com o single. A minha ideia é lançar uns quatro singles este ano e no ano que vem tentar fazer o disco.

E as composições, você que está escrevendo ou são contribuições de outros compositores?

Eu queria muito compor, mas não tenho ainda essa segurança. Essa música que escolhi para ser o meu single, surgiu em um desses rituais xamânicos, de ayahuasca. Quando tive um encontro muito forte comigo em uma miração, estava tocando essa música – “A Temperança”. Pensei: “É essa música que vou gravar”. Aí fui atrás e a compositora é uma mulher lá do Rio de Janeiro, maravilhosa, tem 60 anos, é dona de um centro de meditação, toda hiponga assim [risos]. Entrei em contato com ela e falei: “Olha, meu, não nos conhecemos, não tenho grana, quero gravar e aí?” A gente chegou a um acordo e ela entrou super na parceria – adorou, achou o máximo. Mas pro disco coloquei que tem que ter pelo menos uma música minha [risos].

Como está sendo o processo de produção de “A Temperança”?

A gente começou a produzir em abril. Eu, o Marano, que também tem um trabalho solo lindo que se chama Ailum, e o Jean, nosso superamigo, que é de uma banda de Curitiba muito conhecida que se chama Tuyo. Como moramos em uma chácara em uma florestinha, a gente se isolou e começou a fazer ela. Depois levamos pra um outro amigo que é o Du Gomide. Ele terminou essa produção com a gente, e então a música foi mixada pelo Guguinha, que é um cara de Olinda muito massa, do dub, que já trabalhou com o Cordel do Fogo Encantado. Ela tá finalmente pronta e vamos lançar no dia 17 de agosto com o clipe.

As parcerias que você citou são fixas ou eventuais?

Boa pergunta. O Du Gomide está no próximo single que vou fazer, porque já estou gravando uma segunda música. Algumas parcerias continuam em algumas músicas, mas eu também tenho vontade de experimentar mais porque tem muitas pessoas com quem sempre quis trabalhar e que com A Banda [Mais Bonita da Cidade] era mais complexo porque a logística é maior, muitas pessoas e tal. Acho que nesse trabalho vou explorar bastante essas parcerias. Sempre com o Marano do meu lado, porque para além de companheiro da vida, gosto muito do olhar artístico e musical dele. Então ele me ajuda bastante a direcionar isso.

O clipe da nova música foi gravado onde?

Foi uma interna, a gente não gravou externa, e usamos chroma key. Então isso possibilita muitos movimentos apesar de ter sido gravado em um lugar fechado. Gravamos com o Rosano Mauro Jr., que é o meu grande amigo e já gravou várias coisas da Banda, inclusive ele também está no vídeo de “Oração”. Na verdade, as pessoas são todas amigas de muitos anos, porque saquei que pra fazer esse projeto atravessei muitos medos e precisei da equipe mais amorosa possível.

Com relação às experiências de vida, autoconhecimento, que você mencionou antes, isso tem quanto tempo?

Tem dois anos. Dos 29 para os 30, me deu um estalo de muitas coisas, de muitas percepções na vida, inclusive o veganismo. Fichas que vão caindo e você pensa: “Por que nunca olhei pra isso? Por que nunca percebi isso?” Veio uma percepção mais sensível do mundo, sabe? Não tenho como não dizer da influência da ayahuasca na minha vida, porque é uma planta de poder que é muito séria, que não pode ser usada de forma leviana. Não é uma apologia, não é nada disso, mas quando você usa da maneira certa, no lugar certo, ela abre o inconsciente e você tem percepções muito finas sobre traumas, sobre coisas que te bloqueavam e não deixavam você fluir na vida. A terapia com a ayahuasca, o veganismo, as minhas escolhas que me fazer ver as coisas de maneira mais sensível me trouxeram pra esse encontro comigo e me trouxeram até esse trabalho.

Você vê como um projeto em que já mira o crescimento? A continuidade? Porque tenho a impressão que você está seguindo um caminho para realmente desenvolver esse caminho.

Penso que sim. Não sei que tipo de repercussão esse trabalho vai ter. Nunca imagino uma coisa como “Oração” porque sei que “Oração” foi uma coisa muito única. Não tenho essa pretensão. Mas o tipo de coisa que ele alimenta em mim, tipo de estado em que esse trabalho me coloca, de criatividade, de vida, de potência, é uma parada que sei que independentemente do sucesso ou da repercussão que vai ter ele é muito pra mim.  Sei que tem muita coisa ainda pra sair. Então acredito que seja um trabalho pra vida mesmo.

É quase como uma necessidade, uma realização, uma coisa sua mesmo…

Muitas pessoas me perguntam: “Ah, por que você não vai em tal programa, não faz tal coisa.” Não tenho nenhum tipo de preconceito, julgamento com grandes mídias, nada disso. Acho maravilhoso poder chegar lá, só que a questão é que chega uma hora que você faz por necessidade tua mesmo. Por exemplo, se fico dez dias sem cantar, preciso cantar, porque isso me faz viva. Embora eu ame a Banda, e amo muito, e sou muito inteira lá, a Banda faz o que ela quer fazer, mas a Banda já tem um compromisso com o público. O que a gente faz, a gente pensa: “Putz, será que isso vai chegar, não vai chegar?” A gente faz de maneira muito honesta, mas passamos por esse questionamento. Esse trabalho é um trabalho que estou fazendo muito pra mim. É muito pessoal, pra celebrar o meu encontro comigo mesma.

Tem uma entrega maior sua…

É…eu sinto que a Banda é muito coletiva.

Um pouquinho de cada…

É…e nesse pouquinho não estava cabendo essa parte minha. Então tive que abrir uma outra portinha e seguir junto assim.

Um ponto bem positivo é que você tem parceiros que ajudam a alavancar isso em você, te estimular…

Sim! Muito! Nós vemos muitos relatos dentro do feminismo de caras que botam as minas pra baixo e tive a sorte de encontrar um parceiro, o Marano, que é o contrário. Ele quer ver brilhar as minhas potências. Tanto ele quanto os meninos da Banda, quando contei que eu estava fazendo esse trabalho, eles foram muito maravilhosos. Estou cercada de pessoas que me estimulam muito. É muito fácil a gente ser tomada pelo medo. O medo paralisa. E tenho muitos medos, de muitas coisas. Então acho que essa rede de segurança é muito importante.

Com relação à apresentação do single, já pensa em shows?

Penso, ainda não tenho. Estava até anotando isso ontem no meio da minha ansiedade porque, mesmo que eu tenha só um single, já tenho repertório que quero permear. Esse repertório tem a ver com Paranavaí, tem a ver com a minha família, porque desce que nasci os meus pais tocam todo final de semana. Na realidade, quase todo dia [risos]. O grande insight desse trabalho foi o Marano que me deu quando perguntei se ele achava que havia alguma coisa em mim que eu poderia explorar. Ele respondeu: “Tem, a sua regionalidade, que é uma coisa muito forte em você, de onde você vem.” É verdade. Tatuei coração de Jacu em mim, porque sou jacu, cara, sou do interior. E isso é a coisa mais linda que eu tenho e carrego. Tenho essa frase que brinco que é cabelo moderno e coração de jacu. É justamente isso o repertório do show. É pegar essas canções, e quero até incluir alguma coisa do Gralha Azul [um dos grupos de música regionalista mais tradicionais do Paraná], que eram coisas que meus pais cantaram a vida inteira, e passei a vida inteira cantando com eles.

É a sua história também…

É a minha história. Vou colocar a música pra você ouvir e você vai perceber que tem elementos muito regionais e elementos de música do mundo, e elementos modernos, e é uma mistura mesmo. Então pro show eu vou levar esse lado que é o eu mais eu possível. Quero deixar pelo menos um pocket show pronto. Porque vai que eu lanço e alguém queira um show [risos].

É legal isso, porque você está seguindo um trabalho novo sem se desvincular da Banda. De repente, acaba até fortalecendo o vínculo de vocês. 

É…a banda faz parte da pessoa que eu sou. O histórico da banda, o estouro de 2011 foi uma coisa muito louca, igualmente maravilhosa e traumática.

Porque vem tudo em grande intensidade?

Foi muito rápido e muito grande e muito louco, porque de repente tem uma invasão louca na sua vida, e muitas pessoas achando muitas coisas, e eu muito nova e muito perdida.

E falta tempo pra aprender a lidar com isso. É uma avalanche, não?

É uma avalanche, você aprende na marra.  Hoje consigo falar disso com tranquilidade, e o quanto isso me fez ser a pessoa que eu sou, mas durante muito tempo isso foi uma grande confusão dentro de mim, chegando a ter palpitações. Então a banda é muito parte do que eu sou. Então ela está inevitavelmente em mim e eu inevitavelmente nela [risos].

Uyara, e como o veganismo entrou na sua vida?

Fiquei muitos anos comendo só peixe, não tinha empatia por peixe, até que vi um programa de pesca, aqueles caras se exibindo com um peixão na mão, tantos reais, aí falei: “Meu Deus! O que é isso?” Então parei com o peixe. O Vini [Vinícius Nisi], que você deve conhecer, que é meu amigo há muitos anos, inclusive a gente fundou a Banda, virou vegano. Então vi que era possível. Mas eu não tinha ainda uma questão animal. Isso foi entrando aos poucos, quando assisti “Black Fish”, quando tive uma gata. Tudo isso me influenciou, mudou muita coisa, porque tenho uma conexão com ela; não em uma lógica racional, intelectual, mas existe alguma coisa, uma outra sensibilidade, que a gente nesse mundo louco abafou. Aí no meu primeiro trabalho de ayahuasca veio o veganismo, porque veio a conexão com a natureza, os animais. Nessa época, assisti aquele filme “Okja”, e no meio do filme, cara, eu nunca consumia leite, mas me deu vontade de comprar Sucrilhos, aí quando levantei a colher: “Putz, não vai dar mais.” E não deu.

É uma coisa que você nem percebe e vai acontecendo dentro de você, e quando você se dá conta não tem mais condições de seguir adiante.

Realmente, não tem, totalmente. E o Marano estava na mesma vibe. E daí a gente falou: “Vamos assistir os docs.” Assistimos o “Cowspiracy” e mais uns outros. Daí a gente percebeu que realmente não dava mais. Vai fazer um ano que viramos veganos. Acho que o veganismo me traz uma sensação de coerência com as coisas que escolho. Sinto que respeito mais as coisas. Como posso ser uma pessoa que bate no no peito pela preservação da [Área de Proteção Ambiental da] Escarpa Devoniana, que a galera quer derrubar, quer acabar com tudo, e ao mesmo tempo come carne? Meu, eles querem destruir pra fazer pasto, entendeu?

E teve algum resultado positivo a campanha a favor da Escarpa Devoniana? 

É complicado. A gente consegue e depois eles vão lá e conseguem. Daí a gente briga, briga, briga, mas infelizmente acho que é muito difícil, porque o dinheiro é uma coisa que comanda, né? Interesse de três, quatro ou cinco pessoas.

Uyara, você vai lançar “A Temperança” no próximo dia 17. Onde o single vai estar disponível para compra?

Então, como é um single, vou disponibilizar tudo gratuitamente. Vai estar nas redes e vai ser distribuído pela Tratore. Ela que vai colocar em todas as plataformas.

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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