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Vaquejada é mais cruel que a prática que a originou

Uma reflexão a partir da obra “Os Sertões”, de Euclides da Cunha

Foto/Acervo: Prefeitura de Cantá

Em “Os Sertões”, Euclides da Cunha narra que a vaquejada surgiu da prática dos vaqueiros em perseguir um “animal fujão”. Na impossibilidade de “vencer” o animal de outra forma, eles iam por um lado e pelo outro, e derrubavam o animal.

“Alcançar repentinamente o fugitivo, de arranco; cair logo para o lado da sela, suspenso num estribo e uma das mãos presa às crinas do cavalo; agarrar com a outra a cauda do boi em disparada e com um repelão fortíssimo, de banda, derribá-lo pesadamente em terra. Põe-lhe depois a peia ou a máscara de couro, levando-o jugulado ou vendado para o rodeador.”

A diferença é que em 1902, quando foi publicado “Os Sertões”, mesmo cruel, a prática em que a vaquejada seria inspirada existia com a finalidade de recuperar um animal que era impedido de escapar à exploração. Se o animal fugia para evitar a subjugação, ou por qualquer outro motivo, ele era perseguido, dominado e enviado de volta à propriedade ou ao lugar onde resistia em estar.

Se isso, aos olhos de quem tem empatia pelos animais, já era cruel, porque externa a desarmonia entre animal humano e não humano baseado no conflito de interesses entre eles, o que justifica a vaquejada? A vaquejada é sobre imitar uma realidade, mas imitá-la preservando somente a crueldade, porque sequer há motivo para puxar o rabo do animal e derrubá-lo, e diante de um público e da espetacularização de uma violência gratuita.

Pensando então sobre o que influenciou a vaquejada e sobre a própria vaquejada, é coerente dizer que tal prática macabra é como se fosse um ato de comemoração pela impossibilidade de libertação do animal. É como zombar do bovino, porque imita a liberdade que ele não pode concretizar por seus próprios meios.

Assim a vaquejada é mais terrível do que a ação violenta que a inspirou, porque expõe o animal a uma situação em que escapar à violência é uma impossibilidade mais certeira do que se ele estivesse realmente fugindo (em campo aberto), e não correndo em uma arena, de onde não pode fugir e diante de tanta gente que vibra com sua miséria e com a confiança de que ele não poderá prevalecer.

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

Uma resposta

  1. Perfeita descrição, é muito repugnante a existência de esta prática sórdida que só serve para embrutecer mais ainda este conjunto de humanos semianalfabetos que viven disto…..

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