Recordo-me que Ian McKellen escreveu que foi ao encontrar um animal morto na praia que ele refletiu sobre o consumo de animais. Penso nisso ao observar a imagem do que foi um animal em situação análoga.
É preciso saber quem foi esse animal, de onde veio, para onde iria? Ou somente a presença que é uma ausência, o que restou de um corpo, é o suficiente para motivar reflexão sobre corpos que não são nossos, mas deles nos apossamos?
Falta carne no que restou do corpo na imagem que atrai minha atenção. Não há uma face, uma identificação – apenas duas patas raleadas ao chão. Penso em farrapos, nos farrapos que restam, no buraco animal que permite ver a areia.
Há um atravessamento, um vazio. Há um pouco de carne nas coxas desse resto de corpo que exala um odor que não queremos. Então podemos reclamar do fedor. E se queremos que seja removido, não é por consideração, e sim pela imagem incômoda dessa decomposição.
Imagino o que há de pútrido nesse corpo, nessa carne, nessa situação, nessa descaracterização. Alguém pode falar que é somente o acaso, que é um acidente, que é “apenas mais um animal”.
A carne que resta nesse corpo faz com que eu pense em um animal abatido no matadouro e jogado nesse espaço público. A carne apodreceria como essa, o corpo diminuiria como esse. Quantas pessoas associariam com a carne no açougue?
Elas desprezariam o cheiro desse corpo, o incômodo de encontrá-lo. Quem sabe, outros lamentassem, observando as consequências de um corpo morto, de uma carne que não teve o seu processo de podridão obstruído.
Talvez culpem o animal por feder, por morrer e não parecer nada bonito, por tornar-se feio, por macular um lugar bonito. Ainda penso no cheiro da carne, que é o cheiro natural desse processo tão comum e tão violento que é morrer.
Da carne no açougue é removido o cheiro da morte, mas dela não é possível remover a morte.
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