Categorias: Opinião

É loucura querer o bem dos animais?

Pintura: Eric Drass

Quando Nietzsche abraçou um cavalo para que não fosse chicoteado por um carroceiro em Turim, isso foi visto como parte de seu “estado de loucura”. Para chicotear o cavalo, o homem teria de chicotear Nietzsche.

Hoje ainda há quem escreva sobre tal episódio com a mesma interpretação. Nietzsche não é o primeiro nem o último exemplo de como um ato favorável a um animal é julgado de forma negativa ou depreciativa, como se o estranhamento não devesse estar em tal conclusão.

Independentemente de como uma pessoa é classificada ou percebida em um momento ou período de sua vida, não dizemos que ao tratar bem um humano ou defendê-lo ela manifesta loucura, se é justo fazê-lo. Então por que tratar bem um não humano ou defendê-lo deve ser interpretado dessa forma? Apenas porque a vítima não é humana?

A facilidade com que isso muitas vezes levou a essa interpretação é que uma atitude que contrapõe uma exploração ou violência normalizada em relação a outros animais é vista como “a pessoa sendo estranha ou tendo algum tipo de problema”; o que surge também antagonizando, mesmo que de forma irrefletida, um lugar de consideração.

Se em vez de um cavalo, Nietzsche tivesse socorrido um humano vítima de violência naquele momento, alguém diria mais tarde e mesmo hoje que foi parte de seu “estado de loucura”? Dependendo do caso, isso pode ser classificado como imprudência, mas não diriam que uma pessoa só fez isso porque tem problemas mentais.

Essa afirmação também viria acompanhada de um julgamento de que fazer o bem dependeria de estados incomuns da mente, de uma não lucidez. Assim o ser humano só seria capaz de benevolência no seu estado não natural, de atípica e não saudável alteração.

É perceptível que não vinculamos normalmente isso às ações altruístas humanas em relação a outros humanos, mas isso já foi feito muitas vezes em relação a outros animais, em diferentes exemplos, numa negação do próprio sentido de empatia. Estender consideração a quem vive um estado constante de inconsideração deveria ser visto como o oposto de qualquer inferência de loucura, uma constatação de uma justeza tão rejeitada por conveniência.

Leia também “Quando Nietzsche reagiu à violência contra um cavalo“.

David Arioch S.A. Barcelos

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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