J.M. Coetzee transmite uma mensagem de que não podemos falar pelos animais não humanos porque não podemos ser voz de quem não somos. Isso não é uma crítica à defesa dos animais, mas um reconhecimento de que há vozes que não podemos atribuir a eles, como se pudéssemos representá-los como são.
Sobre essa questão, penso nas atribuições em que concebemos outros animais como “proximamente humanos”, tentando transmitir aos outros uma ideia de que os conhecemos como nos conhecemos, ou que eles são uma “espécie de nós em outro corpo”.
Vejo nisso uma tentativa de humanização dos animais, em que devemos reconhecê-los não por quem são, mas por características que classificamos primeiro como humanas, e que dizemos ter em comum com eles, ou como os percebemos como “uma parte de nós deslocada de nós”.
Então o reconhecimento do outro, não humano, parte da premissa de que sua valoração também depende do que entendemos como um “espelhamento em que nos encontramos”, e o que exclui-se dessa percepção não requer atenção, porque tendemos a não ver a diferença como fator constituinte de avaliação não depreciativa.
Assim usamos a afinidade e a similaridade como referências, porque, mesmo quando não há intenção consciente, podemos buscar-nos em outros animais. Essa questão também permite evocar o uso do antropomorfismo, muito comum na literatura, independente se a intenção é transmitir uma mensagem favorável ou desfavorável (consueta) aos animais.
Em “Um relatório para a academia”, por exemplo, Kafka apresenta um macaco como uma criatura com características não físicas indistintas do homem contemporâneo, e o antropomorfismo é usado como recurso que expressa a tentativa de saída do animal não humano de sua subalternidade, de sua voz identificada como não voz.
Kafka então atribui-lhe uma distinta intelectualidade, e a partir disso podemos reconhecer que o “não lugar” do animal existe não por quem ele não é, mas por quem ele é, se a ele, pela estranheza que molda um não estranhamento que evoca outro ser, e que paradoxalmente é para a prevalência do seu ser, torna-se imperativo expressar-se como outrem.
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