Categorias: Opinião

Precisamos medir o sofrimento dos animais?

Foto: Animal Save Movement

Pessoas podem alegar que não há imposição de sofrimento aos animais a partir do consumo, o que parte de um reducionismo encarado como axiomático. Mas o que significa a “não imposição do sofrer”?

“Sofrimento” é algo a que podemos atribuir simples objetividade, e com comum viés de unilateralidade, se partirmos da quantidade indeterminada de significados associados ao ato de sofrer e às ações que podem torná-lo cumulativo? Sabemos que o sofrimento não é só aquilo que fere nosso corpo, mas também o que gera desagradável desequilíbrio que experimentamos pela negatividade que fustiga-nos, desencadeando respostas emocionais como manifestações de dor.

Hoje, há algo de origem científica e citável que refute essa experiência também em relação aos outros animais? Ou seja, criaturas de respostas emocionais evocativas de suas senciências – o que podemos perceber até por observações comportamentais e reações cotidianas. Por que devo reduzir minha concepção de sofrimento animal ao ato de receber um disparo no crânio, um choque térmico ou golpes que culminam em degola?

Determinar essas etapas do abate de animais identificadas como parte dos “protocolos de não sofrimento animal”, e reconhecê-las como a ratificação de que “um animal morreu sem sofrer”, é como dizer que um animal nasceu para morrer naquele momento, ignorando que suas experiências de dor não resumem-se a um golpe, um choque ou uma degola.

Não questiono agora a ineficácia do processo de insensibilização, e sim aponto as contradições da crença de que é “possível que um animal seja morto para consumo sem sofrer”, que é capciosa, porque um animal não surge de repente para ser abatido. E só isso explicaria a ideia de que podemos falar em um animal que “não sofreu em sua vida e morte”.

E se não sou esse animal, logo não partilhamos de uma recepção cônsona, posso realmente garantir isso? E se digo que sim, porque desse animal quero apropriar-me, o que pode-se pensar? O que levo em conta se ignoro a somatória de estados que não são meus e sobre os quais não construí um histórico análogo à sua experiência de estar no mundo? Não soa como armadilha do supremacismo humano?

David Arioch S.A. Barcelos

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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