Categorias: Opinião

Não é estranho comer o pé de um animal?

Com o tempo, o nome mocotó passou a ser usado em substituição à pata bovina, diminuindo a percepção de que é sobre comer o pé de um animal

Foto: Pixabay

No açougue normalmente os consumidores compram o mocotó em rodelas ou em pedaços irregulares. Em casa, cozinham e acrescentam um caldo que pode variar conforme o gosto.

Mas é intrigante que esse nome mocotó, com o tempo, passou a ser usado em substituição à pata bovina, diminuindo a percepção de que é sobre comer o pé de um animal.

Logo muitas pessoas não pensam em pata bovina, mas somente em mocotó, embora mocotó signifique pata bovina, numa variação do quicongo makooto.

Não me recordo de ouvir alguém dizer que come pata de boi ou pé de boi. Os próprios açougues utilizam o termo mocotó quando vendem pata (ou pé) de boi por quilo.

Quando há muitas partes já fatiadas, o que não é incomum, isso torna até mesmo uma abstração pensar em quantos pés bovinos estão ali.

Não sabemos, e talvez o primeiro açougueiro que pode ser questionado não saiba, a não ser, talvez, aquele que os cortou.  Até mesmo outros produtos em que se utiliza pata bovina trazem no rótulo que o ingrediente é “mocotó”.

Mocotó embora seja pata bovina, para muita gente não leva o sentido de pata bovina, porque não leva à ideia de se comer a pata e sim o mocotó. É como se não houvesse relação. Mesmo quando há um exercício de relação o costume pode imperar uma contraditória dissociação.

Claro que se pode dizer que o mocotó é um subproduto que não estaria disponível se não fosse pelo interesse por outras partes do mesmo animal. Afinal, as patas do boi não estão entre as partes mais valorizadas como produtos.

Logo esses animais não seriam mortos somente pelo que pode ser feito com as patas, mas também não deixa de reafirmar que o que existe fundamentalmente para a mobilidade de um animal acaba sobre uma mesa, sendo consumido como se as patas nunca tivessem existido para outra finalidade.

David Arioch S.A. Barcelos

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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