Categorias: Opinião

Há privilégio em ser “bem alimentado” apenas para ser morto?

Fotos: Facebook/Reprodução

É intrigante quando as pessoas consideram um “privilégio” um animal ser criado de determinada maneira, sendo que isso não muda que ele será morto para consumo, e que nenhum humano desejaria negociar prazeres ao custo de logo morrer.

Não conheço humanos que dizem que dariam a maior parte da própria vida para ter tudo que gostariam de ter e então morrer, se têm muito a viver, e não uma morte natural, mas programada.

Pensei nisso quando li sobre Mark Zuckerberg ter se tornado um pecuarista que está “criando gado à base de cerveja e macadâmia”. Será que o gado ficará feliz em morrer depois de ser alimentado dessa forma? É mais estranho ainda porque sequer alguém pode dizer que isso é o que esses animais gostariam de consumir se pudessem escolher.

O que é oferecido a eles é pelo resultado que se deseja obter em relação à textura e palatabilidade da carne. Sobre o bovino wagyu, que “será criado” por Zuckerberg, sempre se fala no “marmoreio”, que dá um aspecto de “mármore” à carne por causa da gordura intramuscular.

O que chama atenção nisso é a futilidade percebida como qualidade do senso estético-palatável imposto aos animais mesmo em relação à privação de vida. Quero dizer, um pedaço de carne é apreciado como uma criação, uma manipulação aperfeiçoada do que o ser humano é capaz de oferecer quando ocupa uma posição de controle e domínio.

É capciosa e pretensiosa qualquer coisa que parta do ser humano envolvendo outros animais como fim nos seus interesses que vise fazer parecer que há um estabelecimento de outra relação com outros animais, quando há apenas um especialismo instrumentalista que reflete um interesse também em se diferenciar como humano em relação aos outros – não humanos e humanos, e um exercício de poder, em que quem leva a pior é o não humano que será degolado.

Esse tipo de processo sempre envolve uma enganosa e trivializada romantização, porque é também sobre ver a morte de um animal e o que relaciona-se a ela como um “estado de arte”, pelo que se molda a partir do corpo vivo para garantir o que se deseja por distinção do corpo morto, mesmo que isso seja, em resumo, somente uma face do consumo a perpetuar a violência e a morte.

Leia também “Se dada a oportunidade de liberdade a um animal criado para ser morto, como ele reagirá?” “Por que não devemos consumir nada de origem animal” e “Mesmo que o animal seja vida matável, ele vive para ser matável?

David Arioch S.A. Barcelos

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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