Opinião

Xico Graziano diz que “animais silvestres se adaptam ao agronegócio”

Animal fugindo de queimada controlada em um grande canavial em Sertãozinho (SP) (Foto: Silva Junior/ Folhapress)

Li hoje de manhã um artigo do agrônomo Xico Graziano, Ex-PSDB e que já foi cotado para ser ministro do Meio Ambiente no atual governo. Graziano, assim como o ministro Ricardo Salles, tenta desqualificar o ambientalismo, mas faz de conta que não.

No artigo intitulado “Animais se adaptam a ambientes modificados pelo agronegócio”, e publicado ontem no Poder360, ele diz que a força humana modifica a natureza, não a destrói. Se a força humana não destrói a natureza, isso significa que não teríamos espécies em extinção, certo?

Bom, o ICMBio, órgão governamental, diz o oposto e apresenta dados distribuídos por milhares de páginas no Livro Vermelho da Fauna, que traz informações de 1173 espécies ameaçadas de extinção no Brasil em consequência da intervenção humana – o que já refuta qualquer colocação que tende a incitar uma generalização de que os animais estão se adaptando às mudanças promovidas pelo agronegócio no cenário natural.

Para defender que os animais silvestres não estão sendo exterminados, Xico Graziano relata que as galinhas de um conhecido em Araras (SP) foram comidas por cachorros-do-mato e por uma jaguatirica – o que segundo ele é uma prova da adaptação de animais selvagens a um novo cenário.

Além do exemplo não servir como referência sólida para falar da realidade geral da fauna de um país com 8,5 milhões de quilômetros quadrados, ele comete um equívoco que considero primário quando alguém quer criticar a questão ambiental. O fato de um animal ser obrigado, eventualmente, a “se adaptar à destruição ou mudança do seu habitat”, não torna isso certo ou aceitável.

Qualquer criatura que não deseja morrer fará o máximo possível para sobreviver, mas até quando isso é possível em um cenário em que um animal passa a ser considerado “invasor” de um território que antes era o seu próprio? Ou que é obrigado, por força da própria natureza, a realizar incursões por áreas desconhecidas onde em algum momento pode ser recebido a tiros? Afinal, animais silvestres não se deslocam para territórios habitados por humanos por prazer ou maldade – o fazem pelo instinto de sobreviver.

Com essa defesa, Graziano faz de conta também que não estamos vivendo um momento em que os animais estão se tornando cada vez mais alvos de caçadores no país, e agora com o aval do governo federal. “É inacreditável. Animais silvestres, incluindo mamíferos de porte, reaparecem vivendo amparados pelo mar de cana que se instalou na agricultura paulista”, escreve Graziano.

Como um animal pode se sentir amparado por ser obrigado a circular por uma área totalmente distinta do seu ambiente natural? O autor, que romantiza as transformações nocivas promovidas pelo grande agronegócio no meio ambiente, tenta respaldar sua defesa da adaptação animal citando que um pesquisador da Embrapa detectou 340 espécies de vertebrados vivendo entre os canaviais de uma determinada região.

Animais silvestres deveriam viver entre os canaviais? E ainda que sobrevivam, quais são os indicativos de qualidade e expectativa de vida de um animal fora do seu habitat? Ademais, canaviais fazem parte de propriedades privadas, logo animais serem considerados indesejáveis e alvejados pode ser apenas uma questão de tempo.

“Tais informações, animadoras, se chocam com o pensamento catastrófico típico do ecologismo nacional. A força humana modifica a natureza, não a destrói necessariamente. A capacidade de adaptação das espécies vivas é fantástica, muito maior que se imaginava”, insiste o agrônomo Xico Graziano, que se vale de casos pontuais para tentar imprimir no leitor uma percepção recortada da realidade.

Com certeza, “é típico do pensamento catastrófico do ecologismo nacional” considerar que somente na Amazônia já foram desmatados um milhão de quilômetros, causando grande impacto na biodiversidade, segundo o artigo “Amazon Tipping Point”, publicado na revista Science Advances pelo professor Thomas Lovejoy, da George Mason University, dos Estados Unidos, e pelo coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas, Carlos Nobre.

Realmente, “é típico do pensamento catastrófico do ecologismo nacional” se incomodar com o fato de que só as multinacionais Cargill e Bunge, que atendem ao agronegócio, financiaram ativamente a destruição de áreas úmidas nativas do cerrado brasileiro, obrigando populações inteiras a se deslocarem para favorecer um desmatamento equivalente ao tamanho da Inglaterra – comprometendo a biodiversidade e a sobrevivência de animais como a onça-pintada, tamanduá-bandeira, lobo-guará e cervo-do-pantanal. As áreas foram usadas para o plantio de soja destinado à pecuária, ou seja, à ração animal.

Sem dúvida, “é típico do pensamento catastrófico do ecologismo nacional” entender que se matamos 475 milhões de animais silvestres atropelados por ano no país, ou seja, 15 por segundo, isso acontece porque eles são obrigados a se deslocarem frequentemente por áreas que modificamos e, em muitos casos, em consequência da expansão do grande agronegócio.

Apontar a defesa do ambientalismo como um tipo de fanatismo já se tornou um falacioso clichê há muito tempo. Afinal, é a única forma que os defensores de um crescimento econômico a qualquer custo, e que sacrifique aqueles que não podem beneficiá-los financeiramente, encontraram para cativar e arregimentar os mais incautos ou facilmente influenciáveis. Mas um mínimo de pesquisa lança por terra qualquer demonização do ambientalismo. Basta ponderar quem beneficia quem e com qual interesse.

David Arioch S.A. Barcelos

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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