Resistência à autocrítica no movimento vegano é um problema

Se 3% da população global é vegana, isso quer dizer que o movimento vegano ainda é bem pequeno, embora crescente. Todo movimento que é pequeno, mas seus objetivos dependem de seu crescimento, precisa de autocrítica. Não há movimento que chegue a algum lugar sem autocrítica.

Afinal, se rejeitamos a autocrítica em um movimento ainda pequeno é porque estamos menos preocupados com grandes transformações do que com a imagem que queremos passar do movimento vegano – havendo um conflito entre propaganda e ética. Mas é mais coerente se preocupar em passar uma imagem ou em promover mudanças que realmente transformem a realidade?

A resistência que faz com que veganos rejeitem críticas que surgem dentro do próprio movimento, sob a crença de “que isso enfraquece o movimento”, também envolve o mesmo problema de priorizar mais a ideia de “proteger uma identidade vegana” do que de resultados reais para os animais.

A reação é de que “estão criticando quem sou e do que faço parte” em vez de “isso é algo que talvez possamos discutir”. Não existe movimento perfeito, movimento imune a críticas. Críticas se são honestas, se condizem com a realidade, “não enfraquecem”, apenas apontam para o que pode não estar ajudando ou o que não está funcionando.

Ser vegano não deve vir acompanhado de resistência a apontamentos críticos. Parte dessa resistência tem se desenvolvido com uma crescente visão reducionista de que tudo em relação ao movimento vegano deve ser explorado “somente de forma positiva”.

Essa visão do “positivo” acabou sendo estendida a tudo que diz respeito não apenas ao veganismo como ao que é pensado hoje em relação com o veganismo. Não por acaso, publicações que surgem no próprio meio vegano e que enaltecem o movimento vegano têm uma grande diferença de visibilidade em relação a publicações que apontam problemas (que têm alta probabilidade de rejeição já com base no título).

Acreditar que não se pode apontar problemas envolvendo veganos, comportamentos, conflitos sobre diferentes formas de se pensar o veganismo, mudanças que não estão ocorrendo, números que ainda são pequenos, alcance que é limitado, é “querer jogar tudo para debaixo do tapete”.

Há veganos que reagem mal até a críticas envolvendo produtos veganos e empresas de produtos veganos – sendo recebidas até como “antiveganismo”. Isso também é um reflexo de uma visão identitária (autocentrada) do veganismo – “proteção da identidade vegana”. O movimento vegano nunca pode deixar de exercer o senso crítico em relação a nada. Não é sobre atacar ninguém, desmerecer ou desqualificar. É sobre nunca deixar de considerar o que é possível fazer que seja melhor para os animais.

O movimento vegano não é um clube. Nem mesmo é um movimento homogêneo, já que há diferentes abordagens e correntes do veganismo – e também conflitantes. E não há problema que esses conflitos existam se houver espaço para diálogo, para discussão. Esse crescimento, claro, é um reflexo das diferenças entre os sujeitos que compõem o movimento vegano. E conforme o movimento cresce, é inevitável que cresçam também as diferenças – o que é muito comum em qualquer movimento.

Crer também que é preciso combater as diferenças é defender uma impossível homogeneização. Ademais, conflitos são importantes para repensar maneiras de ser e agir. Portanto a pluralidade também é contributiva, já que as diferenças entre os sujeitos no veganismo também refletem diferenças fora do veganismo. Então a diversidade é o que permite aproximar o veganismo ou o que é relevante ao veganismo do maior número possível de diferentes pessoas.

Observações

Autocrítica não é inimiga do movimento, mas sim uma aliada

A ideia de que apontar problemas internos “enfraquece” o veganismo parte de uma visão frágil e defensiva, como se o movimento fosse uma entidade monolítica que precisa ser protegida a qualquer custo. Na realidade, a maturidade de uma causa se mede justamente pela sua capacidade de questionar a si mesma, identificar falhas e buscar melhorias. Se veganos reagem com hostilidade a críticas construtivas, isso pode indicar uma priorização da identidade vegana (o “ser vegano” como um rótulo a ser defendido) em vez do impacto real (a redução concreta do sofrimento animal).

O reducionismo do “só positividade” e seus riscos

A pressão para que tudo relacionado ao veganismo seja tratado de forma exclusivamente positiva é um problema porque:

  1. Cria uma bolha de autoafirmação, onde apenas mensagens otimistas são valorizadas, enquanto análises críticas são rejeitadas.
  2. Desencoraja a inovação estratégica, já que questionar métodos atuais passa a ser visto como “traição” à causa.
  3. Favorece o marketing vegano em detrimento da ética vegana – ou seja, preocupa-se mais em “vender” uma imagem agradável do movimento do que em enfrentar desafios reais.

 

Para que o veganismo avance, é preciso:

Abandonar a mentalidade defensiva – críticas não são “antiveganismo”, mas ferramentas para melhorar.
Separar o movimento dos egos individuais – não levar questionamentos para o lado pessoal.
Valorizar a eficácia – o que realmente reduz o sofrimento animal?
Reconhecer que o movimento vegano não é perfeito – e está em constante construção.

Quanto mais o movimento vegano conseguir equilibrar convicção ética com autocrítica, maior será seu potencial de transformação. Afinal, o objetivo não é apenas “ser vegano”, mas mudar o mundo – e isso exige honestidade, coragem e disposição para repensar caminhos.

O veganismo não é um clube exclusivo, mas um movimento diverso. O que importa é que haja espaço para debate honesto, sem que críticas sejam imediatamente interpretadas como “ataques”.

Saiba Mais

A estimativa de que 3% da população global é vegana é do Instituto Ipsos.

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Jornalista (MTB: 10612/PR), mestre em Estudos Culturais (UFMS) com pesquisa com foco em veganismo e fundador da Vegazeta.

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