Veganismo combina com consumismo?

Arte: Steve Cutts

Geralmente quando pensamos em consumo em relação com o veganismo, logo consideramos a partir de uma lógica comum e compartilhada o consumo que envolve exploração e/ou morte de animais. Mas se trazemos essa reflexão para a consideração sobre “impacto” é difícil ignorar que quanto mais consumimos, mais impacto geramos.

É claro que só de viver já estamos gerando impacto em outras formas de vida, se nos movemos, se habitamos, se comemos, etc. Estar no mundo é gerar impacto. Claro que há impactos que são evitáveis e outros não. Afinal, só poderíamos não gerar nenhum tipo de impacto se não existíssemos.

Mas se existimos e impactos são inevitáveis, isso não quer dizer que não seja possível minimizar o nosso impacto em outras formas de vida. Por isso, já me questionei sobre os conflitos que podem ser estabelecidos entre veganismo e consumismo.

Mesmo que eu esteja consumindo somente o que entendo como livre de exploração e/ou morte de animais, considerando o que condiz com o veganismo, se for um volume alto em comparação às minhas necessidades, não estou gerando impactos desnecessários?

Além de ser algo que pode, por exemplo, ser problematizado sob outros aspectos, se há vida animal em todos os lugares, e até para onde nunca olhamos, torna impossível não reconhecer que todo o processo de produção-consumo é inescapável de impactos – e me torno um impulsionador desses impactos que podem afetar negativamente muito mais vidas do que eu imaginava.

Claro que o veganismo em si já reconhece que não podemos nos retirar das chamadas “cadeias de violência”, por isso é sobre o “possível” – mas se reflito sobre o consumismo a partir de uma ponderação com o veganismo, posso compreender que evitar consumos que na verdade não fazem nenhuma diferença na minha vida e no meu bem-estar é também uma forma de reduzir o meu impacto em outras vidas.

E há impactos que podem atingir negativamente vidas sencientes sem que saibamos e a partir de consumos desnecessários que pouco racionalizamos. Mas, ao não saber, e ainda assim reconhecer essa inevitabilidade, posso ponderar para fazer mais em relação ao que posso evitar.

Uma reflexão sobre o impacto do consumismo é que se todos os países consumissem como os EUA, por exemplo, o impacto ambiental seria catastrófico – seriam necessários cinco planetas Terra, segundo uma pesquisa da Global Footprint Network.

Claro que normalmente humanos pensarão em primeiro lugar em como isso pode prejudicá-los, mas sempre podemos considerar também como o consumo humano pode impactar em outras formas de vida.

É possível também ir além da consideração de não se consumir somente o que é de origem animal ou que haja uso de animais – reconhecendo a importância de um consumo mais racional em que se pondera o impacto, “muitas vezes invisível”, em outras formas de vida.

Podemos lembrar que há milhares de anos, órficos e jainistas, sob o “princípio da não violência”, já traziam considerações sobre isso, destacando que se podemos evitar causar males desnecessários em outras vidas, não há razão para não evitá-los.

Acredito também que se compreendêssemos que tudo que habitamos é a própria natureza, superando a consideração de que nós estamos em um lugar e a natureza em outro, seria mais fácil ainda entender a impossibilidade da ausência de impactos em relação ao que fazemos – inclusive consumir.

Hoje se discute como o que consumimos impacta na vida que existe tanto “na natureza próxima de nós quanto na natureza distante” – mas pensar essa própria ideia de proximidade e distância, levando a uma ideia de natureza separada, e como se estivéssemos em um terceiro lugar, é ignorar que os impactos ocorrem e como ocorrem exatamente por ignorar todas as conexões que formam a natureza – já que estamos nela e nunca podemos sair dela, mesmo quando é espoliada, degradada. E, claro, ela nunca deixa de reagir.

Observações

Podemos lembrar também que consumir demais é trocar tempo de vida pelo que não precisamos, já que o dinheiro é resultado do tempo aplicado no trabalho – um tempo que não pode ser recuperado.

A maioria dos impactos é invisibilizada pela distância entre produção e consumo.

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Jornalista (MTB: 10612/PR), mestre em Estudos Culturais (UFMS) com pesquisa com foco em veganismo e fundador da Vegazeta.

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