Allen Ginsberg entrou para a história da literatura contemporânea como um dos pilares da geração beat. Dentre seus livros de poesia, o mais importante continua sendo “Uivo e Outros Poemas”, obra lançada em 1956 que não levou muito tempo para chegar a um milhão de cópias vendidas. No entanto, o que muita gente não sabe é que, além de dedicar-se a uma literatura confessional e combativa, por vezes considerada obscena, Allen Ginsberg tornou-se adepto do budismo e do vegetarianismo.
O que o influenciou a deixar de consumir animais foi o seu relacionamento com um mestre de meditação tibetano. Em 1974, Chögyam Trungpa fundou em Boulder, no Colorado, o Naropa Institute, mais tarde transformado na primeira universidade de budismo da América do Norte. Interessado em conciliar a cultura oriental com a ocidental, ele contratou William Burroughs para dar aulas de literatura e Allen Ginsberg para lecionar poesia. O contato com Trungpa fez com que o poeta beat se tornasse seu discípulo, o que não ocorreu com Burroughs.
Porém, aquele não foi o primeiro contato de Ginsberg com o budismo. Na década de 1960, ele já tinha viajado para a Índia. Embora não fosse uma viagem com finalidade espiritual, o poeta fez questão de conhecer importantes mestres da meditação como Gyalwa Karmapa e Dudjom Rinpoche, o que teve grande influência sobre seu comportamento.
Maior prova disso é que em 1968, durante um protesto que antecedeu a Convenção Nacional Democrática em Chicago, o beat subiu ao palco para tentar unir e acalmar a multidão, preocupado que a polícia pudesse intervir com violência. De repente, Ginsberg começou a pronunciar “Om! Om! Om!” de forma errada, o que não passou despercebido por um espectador indiano que jamais esqueceu daquela cena. À época, o poeta reconheceu que o budismo, apresentado a ele pelos beats Jack Kerouac e Gary Snyder, não era apenas uma tendência, mas algo que ele gostaria de adotar como filosofia de vida.
Ainda assim, Ginsberg precisou de 30 anos para entender que no budismo o som não era mais importante que a concentração. “Seu erro foi manter-se mais focado no som do mantra do que em seu significado. Ele usava os mantras para transmitir mensagens escritas durante suas viagens de carro pelos Estados Unidos. Allen Ginsberg viu nisso uma forma de impressionar seus ouvintes e leitores ocidentais sobre os valores orientais que ele aceitou ou considerou aceitar”, escreveu Jenny Skerl no livro “Reconstructing the Beats”, lançado em 2004.
Nos anos 1970, Allen Ginsberg passava até semanas isolado e meditando, colocando em prática o que aprendeu com Trungpa. Essa filosofia teve tanta influência sobre sua vida que em 1990, em entrevista à revista Harper’s, ele afirmou que estava completamente livre das drogas e de qualquer tipo de agitação. “Tenho vivido tranquilamente, seguindo uma dieta vegetariana, vendo poucas pessoas e lendo muitas obras religiosas, como São João da Cruz, a Bíblia, Fedro [Platão], Santa Teresa de Ávila e [William] Blake. Estou em um tipo de solitude, em modo contemplativo”, revelou.
Como adepto da dieta vegetariana, Ginsberg tinha preferência por pratos como aloo gobi, muito popular em países como Índia, Nepal, Paquistão e Bangladesh. Feito à base de batata, couve-flor e especiarias, ele definia o alimento que conheceu por meio do beat Gary Snyder como uma grande refeição vegetariana de 15 centavos. “Passo semanas comendo só isso”, confidenciou o poeta.
Segundo Snyder, era preciso apenas algumas batatas e uma cabeça de couve-flor para garantir sustância por vários dias de produção poética. “A comida faz toda a diferença no estado físico e mental. E não preciso ser um hare krishna para dizer isso”, enfatizou quando apresentou o aloo gobi ao amigo.
Allen Ginsberg gostava muito de preparar o seu cold summer borscht, baseado em doze beterrabas bem lavadas e fatiadas em tiras. A receita também incluía duas batatas, cebolas fatiadas, tomates fatiados, pepinos e rabanetes. Os caules e as folhas eram picados como em uma salada primavera. Ele cozinhava todos os ingredientes juntos e com moderada quantidade de sal. Deixava a sopa ferver por uma hora ou mais até ficar bem vermelha, com as beterrabas visivelmente macias.
“Adicione açúcar e suco de limão para deixar o líquido doce e ao mesmo tempo azedinho. Ela rende quatro litros”, escreveu em um papel. Allen Ginsberg sentia prazer em cozinhar para seus visitantes. Ele gostava tanto de preparar sopas que instalou um suporte do lado de fora da janela da cozinha para arrefecer sua panela de 12 litros.
Excerto de Howl (Uivo)
Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa,
hipsters com cabeça de anjo ansiando pelo antigo contato celestial com o dínamo estrelado na maquinaria da noite,
que pobres, esfarrapados e olheiras fundas, viajaram fumando sentados na sobrenatural escuridão dos miseráveis apartamentos sem água quente, flutuando sobre os tetos das cidades contemplando jazz,
que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado e viram anjos maometanos cambaleando iluminados nos telhados das casas de cômodos
que passaram por universidades com olhos frios e radiantes alucinando Arkansas e tragédias à luz de Blake entre os estudiosos da guerra…
Saiba Mais
Allen Ginsberg nasceu em 3 de junho de 1926 em Newark, Nova Jersey, e faleceu em 5 de abril de 1997 em East Village, Nova York.
Referências
Skerl, Jenny. Reconstructing the Beats. Palgrave Macmillan (2004).
Silberman, Steve. Ginsberg’s Last Soup. New Yorker (March 19, 2001).
Ginsberg, Allen. The Letters of Allen Ginsberg. Philadelphia, Da Capo Press (2008).
Ginsberg, Allen. Howl and Other Poems. City Lights Publishers; Reissue Edition (2001).
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