Como o ativismo vegano pode encolher nos próximos anos

Podemos usar diversos argumentos para tentar aproximar pessoas de uma realidade favorável ao veganismo, mas é um erro ignorar que, dependendo da motivação que alguém tenha para mudar, essa pessoa não se tornará uma ativista. Ou seja, não se preocupará em tentar motivar outras pessoas por qualquer meio possível. Pensando individualmente, isso não parece um problema, porque concluímos que essa pessoa já está contribuindo.

Mas, como o movimento vegano ainda é pequeno (3% da população global), se houver uma tendência cada vez mais crescente de pessoas que não fazem nunca algum tipo de ativismo, não há como imaginar uma consequência positiva disso no futuro.

Nenhum movimento cresce sem ativismo. Se hoje estima-se que 70% dos veganos não fazem nenhum tipo de ativismo (e até 90% o abandonam após os primeiros anos), pessoas que mudam um ou mais hábitos, mas não têm interesse no veganismo, menos interesse terão em se engajar em ativismo.

Crer que não importam as motivações das pessoas para uma mudança de hábitos (não comer carne, por exemplo, por uma questão particular), desde que elas mudem, claro, tem sua justificativa – de outra forma, há pessoas que não mudariam, ainda que não haja garantia de que isso durará.

Por outro lado, se somada essa mudança com a de outros e isso se refletir em nenhum impacto sobre o que interessa ao veganismo (consumo de animais não estar diminuindo no país) e ao mesmo tempo houver uma impossibilidade de que essas pessoas se tornem ativistas, e porque não têm uma motivação ética para isso, o futuro não parece promissor.

Podemos sempre usar motivações não éticas para atingir fins éticos, mas um erro é ignorar que motivações não éticas não podem ser ignoradas como mudanças que não têm uma conexão com um interesse ativista – que é tão necessário hoje ao veganismo e às mudanças favoráveis ao veganismo.

Portanto o que trago como reflexão agora é como as motivações podem influenciar o aumento ou a diminuição do ativismo vegano. Afinal, a ressonância do movimento depende também do maior número de sujeitos engajados nisso.

Se o movimento vegano é pequeno, devemos pensar isso também em conexão com a realidade de ser um movimento que perde muitos ativistas e que tem sempre uma maioria que não se engaja em nenhum tipo de ativismo – nem digital.

Se a realidade já é desfavorável, isso deve no mínimo levar a uma reflexão sobre a importância de repensar também como as motivações influenciam quem se envolverá ou não com o ativismo vegano.

Se acreditamos que não há problema em promover o veganismo como mera escolha pessoal ou estilo de vida, devemos ter em mente o impacto disso. E mais, se isso passa a ser normalizado na maneira de se pensar o veganismo, mesmo que na desconexão com seu próprio sentido, isso pode resultar no futuro em um ativismo vegano extremamente enfraquecido.

Por mais que possamos tentar aproximar as pessoas do que é favorável ao veganismo recorrendo a diferentes argumentos, não há como negar que a ética é a motivação-base do ativismo – que permite que ele cresça exatamente porque se considera uma mudança que depende da coletividade, do maior envolvimento possível de pessoas.

Se o movimento vegano fosse bem maior hoje, talvez não fosse necessário problematizar o ativismo vegano – mas o aumento da exploração animal por meio do consumo tanto no Brasil quanto no mundo evidencia a necessidade dessa discussão sobre a importância do crescimento do ativismo vegano.

Ainda há um foco muito grande na mudança individual, na transição para o veganismo, no ser vegano, mas há pouco sendo explorado sobre a importância de que o ativismo vegano cresça para que o movimento ganhe a força que ele ainda não tem. Mudanças significativas que dependem do cenário político, por exemplo, não têm como ocorrer sem ativismo. O que também não ajuda é que no veganismo há resistências a apontamentos do que pode ser problematizado sobre o próprio movimento.

Parecer haver veganos também que esperam que as mudanças ocorram com base em iniciativas que já existem de promoção do veganismo. Mas a realidade já provou que o ativismo vegano precisa crescer mais para que o veganismo se torne realmente uma força de grandes transformações.

Esses questionamentos não são sobre acreditar que a mudança ocorrerá quando todo mundo virar vegano, porque não há como negar que a mudança depende também do envolvimento de não veganos e de pessoas que sequer querem mudar seus hábitos.

Ainda assim o ativismo vegano precisa de uma base forte e crescente, que não é possível se a maioria acreditar que está tudo bem em viver o veganismo de forma silenciosa. Sabemos que não há pessoas o suficiente falando em veganismo ou sobre o que é favorável ao veganismo, e porque nunca é o suficiente.

O veganismo não pode ser vivido no silêncio se queremos transformar o maior número possível de realidades. Isso não quer dizer que é fácil, porque qualquer vegano sabe que não é, mas transformações não ocorrem a partir do silêncio, do apenas “torcer para que alguma mudança se concretize”.

No início dos anos 2000, sem as ferramentas digitais que temos hoje, e com uma maior dificuldade de circulação de informações, era comum alguém que se tornava vegano no Brasil já querer fazer algum tipo de ativismo. E hoje, com muito mais ferramentas disponíveis para estimular mudanças, e ao alcance de muito mais pessoas, há mais possibilidades de adaptação de um ativismo à própria realidade. Ainda assim, a participação vegana no ativismo ainda é pequena – o que expõe uma contradição que merece atenção e mudança.

Observações

Se o veganismo for cada vez mais visto como uma “escolha pessoal”, desconectada de um projeto ético-político, isso dilui sua potência transformadora. Sem ativismo, não há pressão suficiente para mudar estruturas (indústrias, políticas públicas, normas culturais).

A ética antiespecista — que enxerga a exploração animal como uma questão de justiça — é o que realmente mobiliza pessoas a dedicarem tempo, energia e recursos à causa. Exemplo: Quem deixa de comer carne pela saúde ou pelo clima pode voltar a consumi-la se surgir um “novo estudo” contraditório; já quem o faz por ética dificilmente recua, pois a convicção é estrutural.

Priorizar a formação ética: Mesmo ao usar argumentos não éticos (como saúde) para atrair pessoas, é crucial conectar essas mudanças à reflexão moral (“Se é bom para você, por que não é bom para os animais?”).

Criar pontes entre “veganos passivos” e ativismo: Mostrar como pequenas ações (compartilhar conteúdo e ajudar a pressionar políticos, instituições e empresas) são acessíveis e podem fazer a diferença.

O consumo de carne aumentou no Brasil e no mundo, e a indústria animal se reinventa (com “greenwashing” de “carne sustentável” ou com capciosa propaganda de carne produzida de forma “ética”, considerando um suposto “bem-estar animal”). Sem mais ativismo, o veganismo pode não ir longe.

Há uma ilusão de que o veganismo crescerá “organicamente” com o tempo, mas a história mostra que nenhuma injustiça foi abolida sem luta organizada.

A estimativa de 3% é do Instituto Ipsos; de 70%, do Vegetarian Resource Group; e de 90%, da Faunalytics.

Para uma compreensão mais ampla do que foi abordado, leia “Movimento vegano tem alta desistência de ativistas“.

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Jornalista (MTB: 10612/PR), mestre em Estudos Culturais (UFMS) com pesquisa com foco em veganismo e fundador da Vegazeta.

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