Não é equivocado dizer que o domínio humano sobre outros animais levou ao domínio sobre humanos. Há inúmeros exemplos de povos que foram subjugados por povos que antes estabeleceram relação de domínio com outras espécies.
Não que isso deveria levar a uma consideração do domínio sobre não humanos pelo domínio sobre humanos (incidindo na consideração da exploração animal por deveres indiretos), mas não deixa de ser relevante refletir a respeito. Afinal, uma desconsideração é usada como meio para outra desconsideração de interesses – que culmina no exercício arbitrário de impor um interesse-mor aos outros.
Sobre isso, podemos pensar também no livro “The Jungle”, de Upton Sinclair, que evidencia que a manutenção da miséria não humana na indústria da carne dá-se pela miséria humana – corpos dominados para serem massacrados literalmente e não.
No diálogo entre Sócrates e Glauco, registrado por Platão, o domínio sobre os animais é colocado como culminante do interesse em dominar outras áreas para que esses animais nelas vivam subjugados como reflexo desse domínio.
Então a determinada presença do animal subjugado, e que deve multiplicar-se como dominado, é tida como a presença do animal subjugador (humano). Assim o não humano passa a ser também simbólico da extensão desse domínio. Muito antes deles, Hesíodo apontou que a violência contra outros animais favoreceu a violência contra humanos; o que é lembrado por François Hartog no livro “Memórias de Ulisses”.
É notório também que nessa escala de subjugação, o ser humano ao domesticar alguns animais há milhares anos passou a utilizá-los para afugentar outros animais. Um exemplo é dado por Alfred Crosby no livro “Imperialismo Ecológico” ao citar que nos pampas o uso dos cavalos ibéricos e do gado expulsou a lhama e a ema.
Não é uma realidade análoga que persiste hoje nas regiões desmatadas dos biomas brasileiros, onde o animal nativo deve ceder lugar ao animal doméstico? E quem pode atribuir ao gado a responsabilidade se ele é resultado do que é imposto como meio e fim enquanto lucro e interesse de consumo?
Quantos animais foram utilizados em invasões e contra povos que passaram a ser subjugados após a subjugação desses animais? Instrumentalizados para invasões – o dominado não humano para dominações de humanos. A violência do domínio sobre determinados animais foi meio de prevalecimento sobre povos que não viam nesses animais um meio, mas fim em si mesmos.
