Em filme, protagonista questiona exploração animal na medicina veterinária

Em “Grave”, Justine diz para seus colegas que outros animais também têm consciência e direitos

“Grave” ou “Raw” é um filme franco-belga de Julia Ducournau que também serve para refletir sobre a exploração animal e consumo de animais. A carne na obra pode facilmente gerar incômodo, repulsa e nojo no espectador a partir das experiências e testemunhos da protagonista Justine (Garance Marillier).

Em uma cena, a carne é o que se impõe a ela, como no restaurante, onde o descaso de uma funcionária por sua opção sem carne a faz cuspir uma almôndega encontrada no purê de batatas. A carne é o pedaço de corpo transformado que Justine não deseja comer.

Sua motivação é ética, confirmada também em uma discussão que levanta uma reflexão sobre o sentido da medicina veterinária que ela começa a cursar, mas depara-se com uma realidade em que a profissão existe principalmente para a reafirmação do lugar de uso e exploração dos animais.

Sua posição não é compartilhada. Ela defende que outros animais têm consciência e direitos, que a experiência de violação sexual deles não pode ser encarada como menos séria porque não é sobre humanos, o que gera surpresa e estranhamento em outros estudantes. Ou seja, Justine é um contraponto ao especismo normalizado ao mesmo tempo em que é citada como a estudante mais promissora.

É interessante e controverso como o filme parte da premissa de que é na experiência do consumo de carne que é possível desencadear o que está adormecido em relação ao canibalismo. Assim a crítica ao consumo de carne assume uma forma visceral que evidencia esse hábito como a destruição de corpos, a privação de partes e de interesses, sendo a morte o estado de irreversibilidade.

Quando Justine, pressionada pela irmã mais velha, Alexia (Ella Rumpf), expõe sua fraqueza ao experimentar um minúsculo pedaço cru de fígado de coelho como parte de um trote, ela passa mal, e essa violência em forma de consumo transforma-se em náuseas, múltiplas feridas pelo corpo, vômitos, enfim, manifestações físicas que favorecem uma percepção de que comer carne é assumir formas de violência.

Ademais, a simultaneidade com que a violência contra o corpo não humano e humano é apresentada no filme estabelece uma relação entre corpos reconhecidos e não reconhecidos, e isso favorece um estranhamento maior em relação ao que é a carne, e um corpo passa a evocar outro corpo.

David Arioch Barcelos

Jornalista (MTB: 10612/PR), mestre em Estudos Culturais (UFMS) com pesquisa com foco em veganismo e fundador da Vegazeta.

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