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Hitler e Stalin perseguiram vegetarianos

Os dois líderes viam o movimento vegetariano como uma ameaça

Um jornalista e pacifista alemão que sobreviveu ao campo de concentração de Dachau e um pesquisador da área de Estudos Eslavos vinculado à Academia Austríaca de Ciências e à Universidade de Zurique têm obras publicadas em que denunciam que Adolf Hitler e Josef Stalin perseguiram vegetarianos.

O jornalista Edgar Kupfer-Koberwitz, que não era judeu, mas seria considerado um inimigo da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial por ser um pacifista, registrou a perseguição de vegetarianos por nazistas no livro “Diários de Dachau: Notas do Prisioneiro 2481”, não publicado no Brasil (em alemão: “Dachauer Tagebücher: Die Aufzeichnungen des Häftlings 2481”). Seus diários também integram hoje o acervo da Universidade de Chicago: “Edgar Kupfer-Koberwitz Dachau Diaries 1942-1945”.

Na publicação, Kupfer-Koberwitz relata que Hitler proibiu que todas as organizações vegetarianas continuassem ativas não somente na Alemanha como em territórios ocupados pela Alemanha. Ele também ordenou a prisão de seus líderes. O motivo, conforme registrado pelo autor, era que Hitler via o vegetarianismo como uma ameaça por sua relação com a “não violência”, pela aproximação com os mesmos ideais das organizações pacifistas que ele desprezava.

“Por que devo ferir ou matar outras criaturas, ou fazer com que sejam feridas ou mortas para o meu prazer e conveniência? Não é natural que eu não cause dor em outras criaturas que […] nunca me causarão? Não seria injusto fazer tais coisas sem outra finalidade a não ser gozar deste insignificante prazer físico à custa do sofrimento dos outros, da morte de outros?”, registrou o pacifista alemão.

O que é denunciado por Kupfer-Koberwitz mistura-se à sua própria história e experiência, já que ele não comia animais por ser contra a matança de animais, como podemos perceber na citação acima. Ao mesmo tempo, o jornalista alemão era um opositor dos desígnios beligerantes do nazismo. Para Hitler, na análise do autor, o vegetarianismo levava a uma forma organizada, e ao organizar-se a ameaça se estabelecia.

O que Hitler fez na Alemanha não era novidade na União Soviética. No livro “Rússia Desconhecida: História Cultural do Estilo de Vida Vegetariano até os Dias Atuais” (em russo: “Россия неизвестная: История культуры вегетарианских образов жизни с начала до наших дней”), também não publicado no Brasil, o pesquisador e professor Dr. Peter Brang relata que no outono de 1929 muitos membros da Sociedade Vegetariana de Moscou foram presos e deportados para o campo de prisioneiros de Solovki, no oblast de Arkhangelsk.

Segundo ele, cafeterias vegetarianas não foram fechadas, mas tiveram de ser renomeadas para “cafeterias dietéticas”. Promover o vegetarianismo nesses locais também passou a ser proibido. Além disso, comunas tolstoianas (inspiradas no vegetarianismo de Tolstói), que eram formadas por cinco a seis mil vegetarianos em 1917, foram dissolvidas e seus membros deportados.

O governo stalinista justificou que a ação era imperativa porque essas comunas eram formadas por kulaks (camponeses ricos dos tempos do Império Russo). Porém, de acordo com Peter Brang, o objetivo era reprimir os vegetarianos, que logo entenderiam a mensagem.

Na Sibéria Ocidental, perto de Novokuznetsk, a comuna Zhizn I Trud (Vida e Trabalho) era composta por vegetarianos que dedicavam-se à plantação de vegetais que abasteciam as novas instalações industriais. Em 1935, seus membros foram presos. Isso fez com que os vegetarianos organizados temessem as incertezas em relação às consequências. E caso não quisessem abdicar do vegetarianismo, pelo menos temeriam promovê-lo.

Segundo Brang, a ideia de defender uma “filosofia livre da matança de animais” também perdia apelo popular na Rússia durante os períodos de guerra, porque muitos passavam a não ver sentido em defender o vegetarianismo ou a abstenção do consumo de animais enquanto muitos humanos eram mortos. Apesar de ser uma interpretação equivocada e contraditória, ainda assim era acolhida como sensata, mesmo que promovida com um viés de propaganda contra o vegetarianismo.

Na defesa dos animais e do vegetarianismo, o escritor polonês e judeu Isaac Bashevis Singer, vencedor do Nobel de Literatura de 1978, também criticou Hitler e Stalin no livro “Food for the spirit: Vegetarianism and the world religions”, de Steven Rosen, publicado em 1987.

Vale lembrar também que em “Animal Farm”, publicado no Brasil como “A Revolução dos Bichos”, George Orwell faz críticas ao stalinismo ao mesmo tempo em que valida questionamentos sobre a exploração animal.

Saiba Mais

O livro de Edgar Kupfer-Koberwitz (1906-1991) foi publicado em 1997 e o de Peter Brang (1924-2019) em 2002.

Leia também “A história do vegetarianismo na Rússia“.

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

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