Em julgamento realizado em março, envolvendo um caso de alegação de maus-tratos e guarda provisória de um papagaio domesticado apreendido pelo Ibama em São Paulo, o relator e ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Og Fernandes, reconheceu e utilizou conceitos dos direitos animais e da natureza para fundamentar seu voto, que também foi compartilhado pelos ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães, Francisco Falcão e Herman Benjamin.
No acórdão, o ministro concluiu que, como o animal convivia há mais de 23 anos com a mesma tutora, inclusive criando laços afetivos, a retirada do papagaio depois de largo período de domesticação implica na violação dos direitos do próprio animal.
No entanto, deixou claro que é necessário tomar medidas que assegurem o bem-estar animal e não permita a eternização de situação irregular de criação não autorizada de animal silvestre. “É certo que a criação irregular deve ser reprimida e combatida, até porque é esse tipo de atitude que fomenta o comércio ilícito de animais silvestres”, pontuou.
Og Fernandes acrescentou que a justiça deve ser repensada sob uma nova racionalidade distinta da lógica hegemonicamente traçada e reproduzida nas instâncias ordinárias – de forma a impulsionar o Estado e a sociedade a pensarem de maneira radicalmente distinta dos atuais padrões jurídicos.
“Portanto, faz-se necessária uma reflexão no campo interno das legislações infraconstitucionais, na tentativa de apontar caminhos para que se amadureça a discussão acerca do reconhecimento da dignidade aos animais não humanos, e, consequentemente, do reconhecimento dos direitos e da mudança da forma como as pessoas se relacionam entre si e com os demais seres vivos”, defendeu o ministro, antagonizando a objetificação e a inferiorização que priva os animais não humanos de serem reconhecidos como sujeitos de direitos.
O ministro também admitiu que, mesmo com a existência de um significativo rol de legislações voltadas para a proteção e cuidados com os animais, grande parte dessas leis ainda carrega uma herança antropocêntrica e não biocêntrica.
Fernandes utilizou como referência a obra “Reflections on Animals, Property, and the Law and Rain Without Thunder”, de 2007, do professor Gary Francione, e destacou que ainda nos encontramos em um processo de construção de uma consciência ecológica. Porém, a sociedade ainda considera o bem-estar dos animais apenas quando não estão em conflito com seus interesses particulares e econômicos:
“A rigor, o que vem acontecendo é a condenação de determinados atos intoleráveis de violência para que o próprio ser humano veja seus padrões morais atendidos. Os animais não humanos são poupados da crueldade considerada nociva à preservação dos bens fundamentais do homem, e, portanto, isso impede que sejam enjaulados, exibidos, caçados, mortos, submetidos a experiências e usados como meio de diversão).”
O ministro Og Fernandes também fundamentou seu voto informando que a corte colombiana reconheceu em 2016 o Rio Atrato, o rio mais caudaloso da Colômbia, como sujeito de direitos, o que resultou em sanções contra o poder público em decorrência de negligência e degradação ocasionadas pela iniciativa privada contra o rio, sua bacia e afluentes, situados no departamento de Chocó.
O ministro citou ainda a obra “Direitos da Natureza”, de 2016, de autoria da diretora da organização Métodos de Apoio à Práticas Ambientais e Sociais (Mapas), a advogada Vanessa Hasson de Oliveira:
“A natureza não é algo apartado da espécie humana e os demais seres da coletividade planetária, assim como os seres humanos, são a própria natureza em sua universalidade e diversidade”, referenciou Fernandes. O Mapas é uma ONG que cria métodos e práticas que visam melhorias para a saúde do meio ambiente e da sociedade.
Saiba Mais
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