O que representa os olhos de um animal em nossa direção enquanto seu sangue esvai-se para um recipiente? O animal que será consumido então não grita. E deveria? A vocalização é necessária à reprovação de sua situação?
Não “falar”, que é “o não compartilhar da linguagem humana”, é justificativa aceitável para matar? Sua boca parece fechada e também não parece. E há respingos de sangue por sua cabeça, pelas orelhas, pelo aparato mecânico usado em sua imobilização.
Não dirão que “um animal é morto porque não fala como nós”, mas como tal associação pode ser considerada equivocada? Afinal, é da diferença na sua concepção nociva e inferiorizante que negamos um olhar de extensão de direito.
Quando dizem sobre o abate que a vítima “é apenas um animal”, o que isso significa? E então penso que também somos animais, e se digo isso logo apontam nossas diferenças, como se diferenças fossem justos critérios para a matança.
Não é difícil perceber como esse raciocínio é perigoso e já foi usado como argumento para legitimar tantas atrocidades. Ainda assim, continuamos acreditando que a diferença deve balizar a violência, se a finalidade é identificada como reflexo da vontade imperativa, do anseio da maioria.
Enfim, escolhemos quais violências devemos combater e quais devemos apoiar, e aquelas que apoiamos tendemos a rejeitar como violências, não porque não são, mas exatamente porque são.
O sangue abaixo de seu corpo parece ganhar diferentes tons, mais claro e mais escuro. Pode ser uma questão de específica representação imagética, e mesmo assim não deixa de transmitir sinceridade. Permite-me uma ideia de gradação do sangue, que é a transição para o fim.
Os olhos tornam-se então um par de inutilizados, e você já não é você. E antes era você? E em que proporção ser conjuga-se ao reconhecer? Então vêm as vozes: “Pode morrer!” E então você morre, não pelo escutar nem pelo “poder”, e sim porque a força que o compele não permite escolha, somente ausência, que é a de si mesmo.
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