Quando vi arrastarem um bezerro pela perna, e o animal olhando em direção à lente da câmera que registrava o seu momento de privação de familiaridade, notei que quem o arrastava não o observava.
Será que só naquele momento? Para mim, isso não é o mais relevante, e sim o que representa o arrastar simultâneo ao não olhar. Independente de duração, o que isso significa? Não imagino que todos teriam o mesmo olhar diante dessa situação.
O animal então era um bebê de outra espécie, e logo me questionei como as pessoas reagiriam se alguém arrastasse um bebê humano por uma perna e sem olhar para trás, sem se importar não apenas com o ato, mas também com a reação de quem é arrastado.
Sobre o bebê humano, o choque seria imenso, e sobre o bebê não humano, o choque é comumente ausência. As justificativas envolvem sua composição corporal, o ser não humano. O supremacismo determina que a anatomia estabelece a aceitabilidade do que pode-se impor ao corpo, e que nesse caso não é “só” sobre o corpo, mas sobre não ser um corpo humano.
O não olhar para o bezerro arrastado reverbera dominância, indiferença que resulta da naturalização que anui a coisificação. Assim agressões são elevadas ao comum pelo não reconhecimento da agressão. Claro, podemos culpar o homem que arrasta o bezerro, os funcionários que o observam, o pecuarista que, a partir daquela propriedade, fornece leite aos laticínios.
Logo podemos assingelar e superficializar responsabilidades, ignorar que o ato de arrastar o bezerro, de não observá-lo, não é sobre um homem, uma propriedade, e sim sobre o estado coisificado de quem é puxado pelo pé.
Sem a coisificação do indivíduo não humano, o que permitiria que arrastá-lo fosse um ato aceitável? Percebo-o a partir de sua imagem de sujeito imperado como representação simbólica de uma condição que é sobre sujeição, mas não somente sobre um sujeito.
A pergunta então não pode ser outra: “O que a partir de nós favorece essa ação?” É possível que encontremos respostas no refrigerador e em nosso hálito.
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