Acreditar que o veganismo só é político em conexão com outras causas é especismo

Foto: OIPA

Acreditar que o veganismo só é político em conexão com outras causas é especismo, já que o veganismo é político independentemente de qualquer intersecção.

Como trago em “Como o veganismo é político”, o veganismo é inerentemente político porque desafia estruturas de poder que normalizam a exploração, a violência, enfim, os impactos nocivos contra animais não humanos.

Logo, a política não surge apenas quando o veganismo se intersecciona com outras lutas. Acreditar que sim é querer esvaziar o sentido político imanente ao veganismo.

O veganismo em si é suficientemente político – não uma incompletude que depende de correlações para ser visto como político. Esse apontamento não é sobre não ver importância em outras causas e sim sobre questionar qualquer afirmação que leve a uma percepção de que a política no veganismo não existe sozinha.

Se disséssemos que a política em uma específica causa humana é uma ausência, mais facilmente haveria rejeição a essa ideia, e porque diz respeito a humanos.

Logo, ignorar a suficiência política do veganismo em si é uma expressão de especismo, mesmo quando irrefletida, não intencional. Se, por meio do veganismo, não apenas questionamos como antagonizamos a hierarquia moral que coloca humanos acima de outras espécies, estamos também nos expressando politicamente.

A opressão contra os animais se constitui como um sistema político estruturado e institucionalizado – sustentado por normas culturais, leis, indústrias e interesses econômicos. E como o combate ao especismo tem como fim a transformação radical dessas estruturas, então a política está na própria essência do veganismo.

Afinal, a política vegana não se limita à dieta ou ao consumo individual – ela exige desmontar um sistema de opressão. Essa transformação pressupõe novas estruturas éticas, econômicas e legais, algo profundamente político, já que redefine relações de poder.

A política não é um monopólio humano. Ela emerge em qualquer relação onde há dominação, resistência ou coexistência negociada – e os animais não humanos estão profundamente imersos nisso.

Observações

Se o veganismo só é político quando vinculado a outras lutas, isso reforça a ideia de que a opressão animal é secundária – um viés especista, pois coloca humanos como medida do que é “realmente político”.

A recusa em enxergar o veganismo como suficientemente político revela um paradigma antropocêntrico: só reconhecemos como “política” aquilo que afeta diretamente humanos.

O especismo é um sistema político que organiza relações desiguais de poder, e combatê-lo exige mudanças sistêmicas (cultura, leis, economia).

Se alguém dissesse que o abolicionismo do século XIX só era político porque se conectava a lutas trabalhistas, seria visto como um absurdo. A escravidão já era um sistema político a ser combatido por si só. O mesmo vale para o especismo.

A luta antiespecista não precisa de justificativas externas para ser válida, assim como outras lutas por libertação não precisam. Reconhecer isso é também combater o especismo na forma como enxergamos o que é — ou não — digno de ser chamado de “política”.

A libertação animal não é um “gesto ético individual”, mas um projeto de justiça política.

Muitas causas humanas são reconhecidas como políticas por sua própria natureza, sem exigirem conexão com outras pautas para que haja um reconhecimento como políticas. Por que em relação ao veganismo deve ser diferente?

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Jornalista (MTB: 10612/PR), mestre em Estudos Culturais (UFMS) com pesquisa com foco em veganismo e fundador da Vegazeta.

Uma resposta

  1. Era exatamente isso que estava me incomodando no discurso militante de uma parcela da esquerda que se diz vegana, com o tal “veganismo popular”. Obrigado pelo esclarecimentos.

    Agora, um outro ponto que também estava me gerando dúvidas, era essa delicada discussão se o veganismo é, em essência, um posicionamento político ou, como se tem dito, um princípio ético, deotológico.

    As pessoas que defendem a ética em primeiro lugar justificam que na sua origem o veganismo é deontológico, um dever ético e moral. Portanto, não se trata “apenas” (muitas aspas aqui) da crueldade, da violência, da opressão e da exploração que a espécie humana inflige aos outros animais, mas tão somente a qualquer tipo de uso de animais, sempre em benefício da humanidade, claro.

    Então, segundo algumas mentes que defendem a premissa deontológica do veganismo, deve-se estar atento para não se confundir bem-estarismo ou vegetarianismo estrito (algo que se faz a todo momento, seja pelo veganismo “liberal”, seja pelo “popular”) com o real propósito da causa vegana.

    Entendo o veganismo como essencialmente político porque a mudança de paradigma só tem peso e relevância no âmbito econômico, cultural e social, e porque trata, inegavelmente, de relações de poder, como você bem pontuou acima.

    E também entendo que ele é, em essência, um dever moral, um princípio ético.
    A questão é que mudança nesse sentido só ocorre no âmbito pessoa, individual, existencial, digamos, como aconteceu com cada um de nós ao “despertarmos” para aquilo que até então víamos como “natural”. Na maioria dos casos, os documentários têm papel seminal nessas histórias individuais.

    Acho que as duas coisas podem confluir e existir mutuamente, em concordância.

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