Observava um pedaço de carne que levitava. Tentou tocá-lo, mas esquivou-se. De novo. Queria prepará-lo para o jantar, e ele resistia, indo de um lado ao outro.
Cansou e pegou outro pedaço na geladeira. Com a porta aberta, todas as carnes saíram e começaram a levitar.
Não saíam da cozinha, mas não permitiam toque e mais longe mantinham-se de facas e outros talheres. “O que é isso?” Sabia que não responderiam.
Ainda assim, achou que sua voz pudesse intimidá-las, subjugá-las. “Ah, vocês vão ceder, vão sim.” Voltou a correr atrás das carnes. O que mudou? Nada!
Ficou furioso e não quis comer carne. Preferia destruí-las, esmigalhá-las, reduzi-las a algo tão pequeno que fosse quase impossível enxergar. Queria sentir suas dores, seus sofrimentos, seus gritos, suas súplicas.
Imaginou esfarinhando-as entre os dedos, deslizando pela palma da mão e sentindo na ponta da língua o prazer da obliteração. “Que delícia!” – gritou.
“Agora vocês me irritaram. Vocês vão morrer!” Ó, como matar algo que já está morto? – ouviu dalgum lugar. “Isso não importa!” Só queria vingança, e sentia que alcançada até sua fome desapareceria.
“O que posso desejar mais neste momento?” Assumiu posição que ideou ser dum predador na natureza. Tirou a camisa, arqueou as pernas, olhou ao redor, rugiu e estapeou o próprio peito.
Bateu tão forte que caiu para trás, tossiu e engasgou com farelos. Ficou desesperado, até que conseguiu livrar-se do desconforto. Então levantou. “É provocação? É provocação? Eu mando aqui. Eu mando!”
Rodeou a mesa, o refrigerador e percorreu toda a cozinha confrontando o mesmo pedaço de carne que já não levitava. Os outros? Não estavam lá.
“Aé? Agora você cansou? Agora você não quer?” Cutucou e nada. Cutucou e nada. De repente, fechou os olhos, inspirou e expirou.
“Que silêncio…” Sentou diante da mesa, encostou a testa nos braços cruzados e corou. Depois vestiu a camisa e foi dormir.
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