Há no Brasil veganos que não veem viabilidade na abordagem ética para aproximar pessoas de uma realidade favorável ao veganismo – acham que é melhor recorrer a outras abordagens. Claro que muitas pessoas podem não ser motivadas a uma mudança por uma motivação ética, mas o que quero problematizar agora é que ninguém pode afirmar que a abordagem ética é realmente ineficaz.
Claro, há posições e especulações que induzem a essa conclusão, mas não pesquisas realmente consistentes que provam isso. Na verdade, há pesquisas, como a da Faunalytics, que sustentam que motivações não éticas resultam em mais desistências.
Como trago em outro artigo, “Movimento vegano tem alta desistência de ativistas”, a maioria dos veganos sequer faz ativismo e outra maioria entre os que fazem ativismo desiste do ativismo nos primeiros anos. Ou seja, a verdade é que há poucos veganos participando do envolvimento de mais pessoas nessa mudança.
Não que ser vegano já não seja importante, mas o veganismo não cresce por meio do silêncio. A afirmação, tão popularizada por não veganos em forma de “piada”, de que veganos querem convencer todo mundo a ser vegano, sequer se sustenta na realidade – o que cresce no mundo é o número de chamados “veganos silenciosos”, que não falam em veganismo.
Isso é um problema porque o veganismo, que existe como motivação ética, acaba sendo pensado cada vez mais como individual – mas ao pensá-lo como individual, a transformação não ocorre, se as mudanças favoráveis ao veganismo dependem da coletividade. Então, como um movimento pode crescer se quem faz parte dele não fala sobre o que é imprescindível a ele?
Há pesquisas que apontam que o número de veganos no mundo representa 3% da população global. Se apenas 30% desse total se envolve em algum tipo de ativismo e nos primeiros dois anos até 90% deixam de fazer ativismo, ainda que haja uma rotatividade de “velhos ativistas” e “novos ativistas”, o que sobra?
Há algum tempo a organização Veganuary divulgou que apenas 15% dos participantes da campanha “Experimente o veganismo por 30 dias” continuaram ativos. Se essa foi a desistência depois de um mês, não parece alentador pensar no que ocorreu depois de um ano. Será que se a motivação ética não tivesse sido subestimada o percentual não poderia ter sido maior?
A ideia de “experimentar” já deixa implícito algo como “é só experimentar”, não havendo um compromisso. Claro que dirão que isso se sustenta em algum tipo de pesquisa, mas se o percentual de retenção é tão baixo, o que isso significa? É como se fosse experimentar um prato novo. Se não gostar, tudo bem. Logo as pessoas sequer são preparadas para pensarem essa experiência com alguma profundidade. Será que não é isso que incorre em um tipo de superficialização que afeta diretamente a intenção de transformação?
Hoje também há uma abordagem do veganismo que evita ser séria, tenta ser mais “leve”, mais “descontraída”, mas qual tem sido o percentual de retenção como resultado disso? Também não há estudos consistentes sobre isso. Mas também não me impede de concluir algo óbvio – se não temos uma sólida motivação para manter essa mudança, essa mudança tende a ser transitória quando outras pessoas nos apresentam informações que nos fazem desistir dessa mudança.
Muitas pessoas podem ser descrentes em relação à abordagem ética, mas acho que não é preciso pesquisa para concluir que uma mudança com motivação ética é menos passível de desistência ou abandono do que outras. Até mesmo a redução do consumo de carne pode ser transitória se uma pessoa não acreditar que há necessidade de mantê-la.
Já conheci pessoas que reduziram o consumo de carne por motivações pessoais e que depois voltaram a comer mais carne, assim como pessoas que adotaram uma dieta sem carne por razões de saúde, mas que deixaram de crer que a carne é uma vilã. Há muitas celebridades adotando temporariamente uma dieta “vegana” e depois voltando a se entupir de alimentos de origem animal.
Por outro lado, há sempre menos pessoas que, motivadas por uma motivação ética, façam isso – porque a base é mais sólida, não é somente sobre si mesmo. Claro que alguém pode dizer que muitas pessoas são egoístas, ou só têm empatia pelos mais próximos, e não mudarão senão por si mesmas – mas se a motivação for algo pouco consistente, qual será a retenção disso? Quem garante que mesmo que a motivação seja pessoal, como saúde, alguém pode não ter em breve uma opinião de que deve sim voltar a comer carne?
Não há garantia nenhuma de que considerar somente o interesse pessoal é mais exitoso se os interesses pessoais podem ser mais mutáveis. Em uma comparação com a motivação ética, por exemplo, a morte dos animais usados para consumo é concreta, não pode ser negada. Já todo o resto, mesmo hoje, ainda pode ser problematizado, tem mais nuances.
E também é incômodo como outros argumentos que não envolvem a abordagem ética tendem a apelar para sensacionalismos e afirmações que podem não ajudar o veganismo – na verdade, por seus exageros, podem até mesmo ampliar a rejeição a uma mudança. Não digo isso para defender que a abordagem ética é a única que deve ser explorada, mas para combater a crença que tem crescido no meio vegano de que a abordagem ética não tem quase impacto.
Acredito que a descrença na abordagem ética tem menos a ver com rejeição das pessoas em ouvir sobre exploração animal e mais com o fato de haver um número bastante baixo de ativistas dentro do movimento vegano. Dizer que as pessoas rejeitam qualquer discussão sobre exploração animal é meramente especulativo ou ocorre a partir de recortes parciais. No mínimo a maioria não tem um forte motivo para rejeitar um diálogo.
Não estou dizendo que todo mundo deve se dedicar à abordagem ética, já que nunca nego que as pessoas, que podem mudar, não serão motivadas em um primeiro momento por uma mudança pelas mesmas razões – mas não há como ignorar que a ética nos fornece o que não pode ser refutado sobre o consumo de animais. A violência normalizada e institucionalizada contra os animais é real e ninguém pode negá-la quando se depara com registros dela.
No Brasil, por exemplo, como problematizo no artigo “Foco em produtos veganos é ‘um tiro no pé’ do movimento vegano”, não há menos animais sendo mortos nem consumidos no Brasil. O país continua tendo um dos consumos médios de carne mais altos do mundo. Então como essa realidade de novos produtos veganos, esperando apenas que os consumidores optem por esses produtos com base na mera disponibilidade, está ajudando a transformar a realidade? E quantas pessoas têm condições de participar disso? Será que não está sendo apenas um outro consumo, sem impacto real para os animais? Isso também pode ser problematizado na desconexão com uma real e duradoura motivação.
Reforço que faço tal questionamento porque há uma crescente confiança de que a mera disponibilidade de produtos ajudará a transformar a realidade ou propriamente a transformará – e até como se a abordagem ética fosse um problema ou um obstáculo a essa concretização. E a crítica, sobre a irrealização de resultados realmente significativos, não é sobre a distância para se atingir a libertação animal e sim sobre hoje não haver sequer uma redução do consumo geral de animais.
Observações
Se veganos falam somente com veganos, e principalmente veganos passivos (que não fazem ativismo), isso é manter o alcance dentro de uma bolha.
Se a exploração animal não está diminuindo no Brasil e sim aumentando, assim como o consumo médio de alimentos de origem animal, mesmo com campanhas focadas em redução do consumo de carne, então as estratégias adotadas não são eficazes e porque também subestimam a necessidade de um maior engajamento vegano.
Por que a abordagem ética é mais duradoura:
- É baseada em princípios não negociáveis: A violência contra animais é um fato objetivo, não dependente de preferências pessoais ou abordagens que podem ser mais facilmente relativizadas.
- Cria engajamento profundo: Quem muda por motivação ética dificilmente volta atrás, pois a convicção não está ligada a benefícios individuais, mas a um imperativo moral.
Se o veganismo é tratado como um “teste” ou “estilo de vida”, sem discussão sobre exploração animal, a adesão tende a ser frágil. Isso não significa que táticas de transição de hábitos sejam inúteis, mas que, sem um fundamento ético claro, a retenção pode ser baixa.
A armadilha das abordagens “leves” e não confrontativas
Há uma tendência de evitar a seriedade na comunicação vegana para não “afastar” pessoas, mas:
- Abordagens superficiais geram resultados superficiais: Se o veganismo é vendido como “dieta” ou “escolha pessoal”, as pessoas o tratam como tal — descartável.
- Medição errada de impacto: Seguidores em redes sociais ou vendas de produtos não refletem mudança real. O indicador deveria ser a redução do número de animais explorados.
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