Com pouco mais de 200 páginas, “Veganismo ou veganismos? Tensões discursivas sobre consumo e política no movimento vegano” é uma pesquisa de minha autoria publicada pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais (PPGCult) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em que discutimos os sentidos do veganismo, ou que estão em relação com o veganismo, e propomos uma reflexão sobre o movimento vegano a partir de conflitos entre diferentes abordagens do veganismo.
Buscamos compreender primeiro o surgimento e influências do veganismo (o que precede o veganismo), assim como o seu desenvolvimento e suas especificidades no Brasil. O primeiro capítulo é voltado a uma trajetória das posições contrárias à violência, morte e usos pelos humanos, ou, uma arqueologia antiespecista, em que refletimos também sobre como algumas influências ao se pensar o combate ao especismo se sobressaíram e se sobressaem a outras.
O segundo capítulo concentra-se no surgimento do veganismo contemporâneo – os sentidos do consumo e da política no veganismo, as definições, interpretações e o estabelecimento das diferenças e das primeiras ressignificações. O terceiro capítulo é sobre o movimento vegano em disputa: estratégias, astúcias, trampolinagens e apropriações que envolvem as diferentes abordagens e os antagonismos que são estabelecidos entre os veganos.
A pesquisa, que aponta que o movimento vegano em si já é um movimento de mediadores socioculturais, por ampliar os sentidos do consumo e da política não somente na relação do ser humano com o ser humano, explora as mudanças e pluralidades discursivas que se intensificam com a popularização do veganismo e com base nas diferenças entre seus sujeitos.
O estudo, que analisa, por exemplo, os conflitos entre o veganismo pragmático e o veganismo popular, e que envolvem uma disputa de sentidos, é desenvolvido em diálogo com Jesús Martín-Barbero e Néstor García Canclini, dois autores dos Estudos Culturais na América Latina, e considerando seus conceitos de mediação e negociação – explicados e contextualizados na pesquisa – que contribuem também para pensar o contraditório envolvendo diferentes discursos nas abordagens do veganismo; onde se encontram, se antagonizam e o que pode ser problematizado sobre isso em relação ao que é tão importante ao veganismo – o seu crescimento.
Na pesquisa, transitamos por diversas áreas do conhecimento e observamos também que as disputas no movimento vegano estão mais relacionadas a uma questão de meios do que de fins. Não haver ainda sinal de um “mundo vegano” também é o que leva veganos a entrarem em conflito sobre o que fazer para mudar essa realidade e quais relações estabelecer para superar a normalização dessa lógica de dominação. Isso é perceptível a partir das abordagens trazidas na pesquisa, incluindo as disputas em torno dos sentidos do consumo e da política e que se tensionam em torno do idealismo-pragmatismo.
Mas também é notório que o movimento vegano como um todo existe inerentemente para expandir a percepção sobre empatia, respeito, solidariedade e alteridade ao estender consideração aos animais não humanos. Isso coincide com o que é relevante aos Estudos Culturais porque, como lembra-nos Canclini, os Estudos Culturais também são sobre uma política de reconhecimento e uma afirmação de solidariedades a partir do que é consideração e inclusão.
Saiba Mais
O uso da primeira pessoa do plural na publicação sobre a pesquisa, assim como na própria pesquisa, se deve ao fato de que a pesquisa foi realizada com a orientação da professora Dra. Patrícia Zaczuk Bassinello.
Em síntese, os Estudos Culturais são um campo de investigação interdisciplinar (permite transitar por diversas áreas do conhecimento) que no Brasil teve início com os Estudos Literários e volta-se para os estudos dos sentidos que são construídos em sociedade, assim como as mudanças desses sentidos.
Clique aqui para acessar a pesquisa.
5 respostas
Debate de suma importância.
Ainda não li a dissertação, mas algo que me incomoda, no bom sentido, é justamente essa “apropriação” do veganismo por alguns grupos, como no caso de movimentos pertencentes a uma linha ideológica mais à esquerda, ou quando esses mesmos atores políticos que se identificam como marxistas/socialistas criticam negativamente aquilo que chamam de “veganismo liberal”, em oposição ao que eles, parcialmente, filtram para si como “veganismo popular”.
É fato que, quando se trata de consumo, questões como classe, raça e gênero – pautas-chave para os discursos contemporâneos – estejam presentes no debate, haja vista a interdisciplinaridade não só do tema, mas também da própria política, plural por definição, diretamente entranhada nos aspectos econômicos e nos hábitos de consumo e, portanto, socioculturais.
Dando nome aos personagens: o Fabio Chaves, por exemplo. Infoativista, um cara que eu acompanho no YouTube, sempre trazendo importantes notícias e dicas de produtos veganos que estão sendo lançados no mercado, inclusive e principalmente de grandes marcas.
Para muitos, apesar de o próprio Fabio se identificar como de esquerda, ele é rotulado de “vegano liberal”, porque o cara foca mais nos produtos e no consumo. Claro que ele aborda outros temas, mas basicamente fala mais de famosos ou de marcas.
Outra personagem vegana é a Sabrina Fernandes, do canal Teze Onze. Na verdade, o veganismo é apenas uma dentre outras bandeiras que ela defende e, sendo uma intelectual marxista e crítica ao capitalismo, é compreensível e coerente da parte dela ser também vegana, embora ela se apresente mais como ecossocialista.
Mas para delimitar uma fronteira e se diferenciar de outros veganos, a Sabrina defende aquilo que ela e seus companheiros de luta chama de “veganismo popular”, como se o adjetivo popular os aproximasse mais das pessoas de baixa renda.
O que me incomoda, negativamente, nesse veganismo “socialista” da esquerda brasileira, é que os animais, principal causa do movimento, são relegados a segundo plano, e interesses alheios são mais destacados.
Haveria uma “terceira via”, a meu ver, a do ponto de vista “espiritual”: pessoas que não contribuem para uma economia da exploração de animais porque elas não compactuam com violência e crueldade, elas têm uma ética, uma conduta baseada na compaixão a todos os seres senscientes. Essa abordagem, muitas vezes, está sob alguma denominação religiosa, mais comumente nas práticas religiosas indianas e do oriente: jainistas, hindus e budistas. E seria um equívoco julgá-las “apolíticas” por causa disso.
Mas seja “liberal” ou “popular”, conservador ou progressista, agnóstico ou espiritualista, pros animais que estão morrendo e vão pra linha de abate, pouco importa. O que importa é que a pessoa não financie e não menospreze o sofrimento deles.
Espero que uma dia você participe do podcast do Fabio Chaves para que suas reflexões alcancem mais pessoas. Parabéns pela titulação!
Philipe, os pontos que você citou coincidem com o que é discutido na pesquisa. Obrigado!
Ah, um adendo: quando me perguntam se sou de esquerda ou de direita, se sou devoto ou cético (ateu), eu costumo responder que da minha orientação política e conduta moral estão baseadas na Declaração de Montreal:
https://olharanimal.org/a-declaracao-de-montreal-sobre-a-exploracao-animal-e-publicada-por-pesquisadores/
A vida dos animais, é muito preciosa para nós que amamos de verdade os nossos anjos animais assim como todos nós que agradecemos por eles fazerem parte da nossa natureza, e fazer bem a nossa vida.
Os nossos valores está no amor ao próximo. Nossos anjos animais é como o brilho mais precioso da vida de quem ama de verdade os nossos filhos do coração. É tão bom saber que existe muito ser humano que dá realmente valor aos nossos anjos animais. Aqueles que não entendi o sentimento dos animais, precisam de primeiro entender a si mesmo. Só assim poderá perceber os valores que deixam de socializar a todos que Deus colocou na estrada da vida.