Vegano e plant-based não são a mesma coisa

Há pessoas que usam vegano e plant-based como se fossem sinônimos. Normalmente esse uso ocorre porque acredita-se que “plant-based” pode soar “diferente”. No entanto o termo plant-based surgiu em 1980 nos EUA por iniciativa do bioquímico T. Colin Campbell, autor de “O Estudo da China”, exatamente para não carregar a motivação ética-política do termo “vegano”.

Plant-based surgiu para ser especificamente sobre dieta, uma dieta pensada por Campbell como saudável – com alimentos minimamente processados. Mas como mais tarde o termo passou por apropriações, inclusive do mercado, ele decidiu abandoná-lo, adotando “whole food plant-based diet” (WFPBD) – que incorpora no próprio termo a valorização que ele já atribuía aos alimentos integrais antes da apropriação do termo “plant-based”.

No Brasil, o termo “plant-based” não tem condições de se popularizar – soa difícil e inacessível. Mesmo que pessoas o usem como alternativa ao termo “vegano”, isso é impreciso até quando há uma ressignificação, como tem ocorrido hoje a partir de iniciativas que visam aproximar pessoas de uma alimentação livre do uso de animais.

Afinal, o termo em si não diz respeito a preocupações que não envolvem alimentos ou ingredientes. Portanto não há como dissociar “plant-based” de sua origem, ainda que hoje seja usado para outros fins que não envolvam somente saúde.

Não há problema também em ver uma alimentação “plant-based” como escolha pessoal. Já no contexto do veganismo, se olhamos para a alimentação como “mera escolha pessoal”, perdemos de vista o que se preconiza – que é a oposição à exploração animal objetivando a libertação animal, que depende de envolver o maior número possível de pessoas.

Se pensamos em produtos, um produto também pode ser plant-based sem ser vegano, já que um produto não deixa de ser plant-based por ter sido testado em animais, por exemplo. Logo, alguém que se define como “plant-based” pode não ter esse tipo de preocupação.

Há famosos que se identificam como “plant-based” exatamente porque não querem ser associados ao veganismo, já que vivem essa mudança somente como “escolha pessoal”, autocentrada. Ainda assim, há muitos veganos que insistem em citá-los como veganos. Isso pode parecer favorável, mas cria uma distorção e favorece uma incompreensão com base na confusão dos sentidos.

Claro que um sujeito que se identifica como plant-based pode contribuir com a não exploração de animais, principalmente se isso não for transitório, mas muitos famosos já adotaram uma dieta plant-based e depois a abandonaram – o que ocorre também porque provavelmente era algo planejado para não durar, carecendo de uma motivação transformadora.

É válido reconhecer a contribuição da cultura plant-based quando ela pode favorecer o que é relevante ao veganismo – mas plant-based e vegano não são sinônimos. Isso é especialmente problemático quando envolve pessoas que deixam ou deixaram claro que não são veganas, porque isso pode levar a uma conclusão de que veganos não veem problema em mentir ou atribuir à posição de alguém um sentido inexistente.

É preciso ter em mente que ser “plant-based” não depende de um compromisso ético e não há nada de errado em alguém sê-lo por motivos extremamente individualistas – já que isso não entra em conflito com o sentido do termo.

Mas é notório também que hoje o termo passa por ressignificações. Um exemplo é que plant-based ganha uma dimensão ética e política quando se pensa por exemplo que o acesso a uma alimentação saudável à base de vegetais deve ser um direito e que deve ser facilitado por políticas públicas.

Nisso há um deslocamento da individualidade para a coletividade, assim como ao defender que uma dieta à base de vegetais pode ajudar a reduzir impactos ambientais que prejudicam tanto a vida silvestre quanto a população – e afetando primeiro os mais vulneráveis. Afinal, consta também na Lei dos Crimes Ambientais (9.605/1998) que um meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos.

O termo plant-based também tem entrado em cena como uma estratégia de “veganismo furtivo”, ou seja, de promover mudanças favoráveis ao veganismo sem falar em veganismo. Há iniciativas desenvolvidas por veganos que voltam-se para isso, abordando a relação entre crise climática e alimentação (segurança alimentar).

Embora seja uma forma de facilitar mudanças que podem não ocorrer de outra forma, o “veganismo furtivo” também pode ser problematizado porque se baseia em estratégias que dependem de falar cada vez menos de veganismo – e ao não falar em veganismo sabemos que um dos impactos disso pode ser o enfraquecimento das motivações de que o ativismo vegano depende para crescer, como trago no artigo “Como o ativismo vegano pode encolher nos próximos anos“.

Podemos lembrar uma pesquisa da Faunalytics que aponta que motivações éticas funcionam mais para a longevidade de uma mudança de hábitos do que outras motivações, que tendem a ser transitórias. Por isso, sugiro tambem a leitura do artigo “É um erro veganos subestimarem a abordagem ética“.

Observações

Há exemplos em que vegano e plant-based são tratados como sinônimos sem sê-los – a diferença já é histórica. Enquanto o veganismo surgiu pensando a nossa relação com outros animais, plant-based surgiu para se distanciar de termos em associação com o veganismo e em um contexto de consideração à saúde.

Plant-based: Criado nos anos 1980 por T. Colin Campbell como um termo dietético, focado em saúde e alimentos minimamente processados, sem vinculação direta à ética animal. Portanto plant-based nasceu como uma definição nutricional.

“O Estudo da China”, publicado como livro por Campbell, mostra como a ocidentalização dos hábitos alimentares chineses prejudicou a saúde da população – com destaque para aumento do consumo de produtos de origem animal.

Hoje, plant-based é pensado tanto como uma alimentação à base de vegetais saudável como não saudável, já que o termo passou a ser usado além da definição de T. Colin Campbell, para tudo que seja “à base de vegetais” – até mesmo produtos industrializados não saudáveis e produtos não alimentícios.

É comum também veganos fazerem referência à própria alimentação livre do uso de animais como uma alimentação à base de vegetais ou plant-based, mas isso é usado somente como uma alternativa à “alimentação vegana” – portanto é apenas uma forma de referenciar a alimentação e não todos os aspectos de seu compromisso como vegano.

Identidade: Ao falar que se é “plant-based“, isso também já é referenciado hoje como uma identidade, porque não se fala apenas em ter uma “dieta plant-based“, mas em ser “plant-based” .

Mercado: A indústria adotou “plant-based” por acreditar que consumidores podem evitar o rótulo “vegano” – mas plant-based é um termo sem chances de popularização no Brasil.

Celebridades e influenciadores: Muitos usam “plant-based” para explicitar que não há um compromisso ético e que querem evitar uma associação com o veganismo. Isso também ocorre quando “plant-based“, por parecer “neutro”, é vivido apenas como uma “dieta da moda”.

Atletas: Muitos definem ser “plant-based” como um “estilo de vida”, portanto autocentrado.

Estratégia com cautela: Iniciativas “plant-based” podem ser úteis, mas não substituem a necessidade de falar sobre veganismo.

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Jornalista (MTB: 10612/PR), mestre em Estudos Culturais (UFMS) com pesquisa com foco em veganismo e fundador da Vegazeta.

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