A carne não aceitou ser comida

Ilustração: David Zimmerman

Um dia, a carne não aceitou mais ser cozida, assada, frita, grelhada e mais. Quando colocavam na frigideira, logo saltava. E se não saltava, também não reagia ao calor.

Enfiou um pedaço grande na panela, fechou e segurou a tampa. “Agora vai!” Quando a abriu, continuava crua. Ninguém sabia o que fazer. O tempo passava e a crueza não desaparecia. E agora? E depois?

No churrasco, a fumaça subia, mas e a carne? Crua! Sentiam raiva, praguejavam. Os temperos que esfregavam na carne, ela repelia. Nem precisa dizer, é só pensar no não.

Ervas, muitas, todas, davam-lhe alergia. E que tal páprica? Cominho? Cebola? Alho? Gengibre? Pimenta-do-reino? Pimenta-calabresa? Mostarda? Tomilho? Cravo-da-Índia? Nada disso! Nem sal!

“Sai fora!”, já imaginei. É, a carne ficou assim. E se massageá-la? Que tal um bom amaciante? Não deu! Ainda queriam enfeitá-la, cobri-la de coisinhas, usá-la em tantos recheios.

Se enfiavam na torta, ela abria um buraco e ia embora. “Aqui não é meu lugar!”, foi o que pensei. Não parava. Não mesmo. Por que pararia? Carne não pode ter vontade?

Verdade seja dita, quando olhavam, não estava lá. Especulavam sobre seus pulos, suas fugas, suas insatisfações.

Por quê? Porque nada funcionava. Pararam? Não. Insistiram em fantasiá-la, porque toda carne é coberta de fantasia. Queriam dar-lhe um aspecto agradável ao paladar e aos olhos.

Por que desistir? Queriam tirá-la da realidade, dissociá-la dos carnívoros com quem identificavam-se sem qualquer identificação. Então? Estudaram sua resistência. E? Nada!

“Não adianta. O que devemos fazer com ela?” “Experimente comê-la crua, ora!” Torceram o nariz e deixaram que fosse embora.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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