Posso olhar para um animal e dizer que sua dor é pequena, que sua dor é ausente, e acreditar nisso não porque é verdade, mas porque prefiro e posso acreditar.
Posso ter uma crença baseada na irrealidade. Não há tantas que servem a tantos dissimulados propósitos? E a minha verdade, posso atribuir-lhe realidade, ainda que inverdade.
Posso negar empatia aos outros animais, amparando-me em suas diferenças que defino como inferioridades. Então suas queixas tornam-se tão minúsculas, não porque são, mas porque digo.
Posso observá-los a caminho do matadouro e afirmar que tiveram a boa vida que não tiveram e, se parecem desalentados, digo apenas que é ilusão, delírio, mania de antropomorfismo.
Posso afagar um animal e ignorá-lo no meu prato e, na dimensão da distanciação, mastigo sem perceber que o cheiro daquele afago está perto do meu prato.
Posso esquecer que há outros animais em casa que não humanos, cães e gatos, porque os mortos não podem reclamar presença, ainda que a luz da geladeira os ilumine.
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