A leveza de não comer animais

Ilustração: Pawel Kuczynski

Sentia-se leve em não comer animais e nada que fosse tirado deles. Não que estivesse em abstenção de comida, perdido peso ou ansiasse por isso. Era coisa doutra ordem, do campo das sensações que vêm com um despertar para questões de valor negligenciadas por costumes, acúmulo de hábitos e um paladar treinado pelas esquisitices da conveniência.

“Surpreso fico de não tê-lo feito antes, mas como faria se a percepção que existia em mim é a mesma que inexiste agora? Como não desejar que tudo fosse diferente e que esta habitasse cada ser humano que desconhece sua capacidade de mudar?”

Lembrou-se da raiva dum amigo que o praguejou por não acompanhá-lo mais nas longas mastigadas de carne do fim de semana. Eram tardes de churrasco com a turma, e a diversidade era suficiente para um pequeno cemitério de animais.

“É como se não socializar os resultados da violência fosse um defeito, um desrespeito. E há coerência nisso? Mira-me, por favor. E se vou, considero recolher os animais para enterrá-los não longe dali. Não vá dizer que isso é absurdo. Afinal, os outros não são enterrados?”

Levou a mão ao topo da cabeça por instante e continuou: “Se penso agora nos pequenos animais, como as aves domésticas, ou algumas espécies de peixes, que posso dizer? Coitados! Não menos que isso! Como desaparecem rápido na boca da humanidade, e comem como se não comessem o que comem.”

Os olhos miravam uma direção, mas o que importava voltava-se para dentro. “E são criaturas por quem as pessoas menos manifestam qualquer tipo de ternura ou mínima consideração. Como se estas fossem estendidas a muitos, não é mesmo? Ora, não mesmo! A não ser que falemos de bichos que, por tradição, nunca comemos.”

De repente, silenciou, abriu a janela e sentiu cheiro de comida. “Ali há um restaurante onde neste horário o cheiro de carne assada e de peixe invadia os cômodos de casa. Mas não mais, e já tem tempo considerável. E como? Se um muda, já não se pode subestimar a expressividade do que se demuda.”

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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