Acordou em um caminhão a caminho do matadouro

Os bois sabiam que não era como eles, mas os de fora achavam que era exatamente como os de dentro (Ilustração: Raj Singh Tattal)

Acordou em um caminhão a caminho do matadouro. Entrou em desespero, gritou, esmurrou e chutou, até que o motorista parou, alguém desceu e abriu a carroceria. “Graças a Deus! Pensei que ninguém me ouviria.” Um homem o empurrou pra trás sem dizer nada. Ainda agitado e barulhento, levou choque na barriga até cair de costas.

Os outros observavam. Percorreu o corpo com as mãos e percebeu que era tudo humano. “O que faço aqui? Que loucura é essa?” Os bois sabiam que não era como eles, mas os de fora achavam que era exatamente como os de dentro. Levantou e gritou.

Quem se importa com o berro de quem está a caminho do abate? Lembrou das vezes em que ultrapassou caminhões como aquele na estrada. Nunca observou os animais – como se não estivessem ali ou existissem sem existir. Sentiu dor de cabeça e tontura, intensificação de batimentos cardíacos e aflição.

Por uma pequena abertura, observava os veículos passando e gritava com voz fraca. Um pai mostrou para a filha. “Olhe, querida, ali tem um boi olhando pra gente. Viu como ele é?” A menininha acenou com a cabeça, o pai sorriu e acelerou, deixando o caminhão pra trás. A cena se repetiu mais algumas vezes, e cada grito fragilizado atraía um riso ou aceno. Eles se despediam dele e ele da vida.

Quando o caminhão parou, sentiu alívio. “Acho que agora tudo se resolve. Não é possível que não.” Abriram a carroceria e percebeu que tinham chegado. Assim como os outros, foi cutucado com um bastão de choque pra descer sem demora. Rolou pela rampa e caiu no chão. “Se estragar o couro vai dar problema. Você tá louco?”

Levantou mancando e, assim como os outros, atravessou um corredor e recebeu banho de aspersão. A água se chocou com tanta violência contra o corpo que a pele ficou vermelha. “Não sou boi! Não sou boi! Vocês estão loucos?” Palavras eram mugidos e ninguém via nada além de boi.

Tentou fugir, mas o corredor estreito e lotado não permitia. Foi construído pra ser assim, sem fuga, sem volta – pelo menos não com vida ou sobre as próprias pernas. Alguns metros dali, viu a silhueta de alguém com as mãos pingando sangue – de um lado uma pistola e do outro uma faca. Acordou e chorou.

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Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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