Categorias: Opinião

Animais não ajudam, eles são explorados

É coerente dizer que “os animais estão ajudando” se “ajudar” não é uma escolha deles?

Fotos: CFI

Lendo uma matéria sobre um novo uso de animais não humanos “visando melhorar a qualidade de vida humana”, o que me chamou a atenção foi a afirmação de que “são animais que estão ajudando” os humanos por meio de experimentos. Várias vezes é reforçado o papel deles como “de ajudar”.

Mas é coerente dizer que “os animais estão ajudando” se “ajudar” não é uma escolha deles? Podemos perceber que tais usos ocorrem para transmitir uma ideia de que se o “animal ajuda”, não há nada de errado nisso, ainda que custe privação e sofrimento para tal animal.

Logo o sentido de ajudar é utilizado para legitimar o que, na verdade, não é uma ajuda. Assim “ajudar” surge como uma afirmação que nega o sentido do impacto da experiência involuntária para o animal.

Chamar de “ajuda” o que envolve uma imposição é desconsiderar o que é importante ao animal, e por uma apropriação sobre o sentido de “ajudar”.  A ideia da “ajuda” tende a suavizar o impacto do que é nocivo, das implicações envolvidas.

Quando se fala em “ajudar”, não há uma comum associação com algo negativo, a não ser, claro, que coloquem em questionamento o sentido dado ao “ajudar”. Afinal, o animal não decide participar de algo que não é do seu interesse.

Além disso, a afirmação do “ajudar” não abre espaço para o contraditório e mostra também como a naturalização do uso de animais para quaisquer fins favorece a crença de que se humanos usam os animais para muitos fins, eles o fazem pela “ajuda” que os animais “podem fornecer”, mas uma “ajuda” que só é chamada de “ajuda” pela conveniência humana em subjugá-los.

Esse exemplo surge também como extensão da normalização de outras práticas arbitrárias. Mesmo quando se fala no uso de animais para outros fins, e que são com mais clareza percebidos como baseados em suas mortes, como a carne, há uma estranha crença de que “o animal está ajudando no suprimento de necessidades”. Mas o quanto tudo isso soa contraditório se olhamos para os interesses que não são nossos?

David Arioch S.A. Barcelos

Jornalista (MTB: 10612/PR) e mestre em Estudos Culturais (UFMS).

Posts Recentes

A morte é uma libertação para o animal explorado?

Esta semana, quando um boi teve morte súbita a caminho de um matadouro no Paraná,…

1 dia ago

No século 19, Comte observou que humanos estavam tratando outros animais como “laboratórios nutritivos”

Em “A lição de sabedoria das vacas loucas”, Lévi-Strauss cita como Auguste Comte, mais conhecido…

2 dias ago

Homem que trabalhou em matadouro reconhece crueldade do abate

Conheci a história de um homem que trabalhou em um matadouro abatendo cerca de 500…

3 dias ago

Um humano na pele de um porco

Um dia acordou porco. Arrastaram-no para fora de casa e o enviaram para uma fazenda.…

4 dias ago

Não adianta reclamar do calor e continuar comendo carne

Se a carne é importante causa do desmatamento, e que influencia também a qualidade do…

5 dias ago

O que resta ao boi faltando pouco para morrer?

O que resta ao boi faltando pouco para morrer? O que pesa sobre ele que…

6 dias ago