Apetite que alimenta violência

A boca é mais barulhenta e silencia o que está fora. “Basta querer que os ouvidos ficam amarrados à boca” (Ilustração: Roger Olmos)

Venda invisível nos olhos. Mastiga coxas de frango com muito prazer. Quase engasga. Não ouve choques, golpes, degola, sangria, evisceração, resfriamento, corte de ossos. Nada de incômodo, só conforto.

A boca é mais barulhenta e silencia o que está fora. “Basta querer que os ouvidos ficam amarrados à boca.” Rítmica da desconsideração. Quando o sangue espirra sobre a cabeça e o bicho berra, não importa. “Não dói em mim.”

No direito de não ver, mastiga enquanto o dorso de um boi já sem cabeça se debate roçando na mão. Tira uma fatia grossa com a faca e reclama que está mal passada. Cospe no lixo. “Ponto ruim! Isso prejudica muito meu apetite.”

Apetência não cessa e os bichos vão se amontoando ao redor, caindo dos grilhões. Cozinha vira piscina de sangue. Sem ver, não faz diferença. Começa a nadar, monta em cima de um porco boiando com a cabeça para baixo e salta sobre uma mesa mais alta.

“Que fome!” Pega algumas fatias de presunto, enrola e continua comendo enquanto o suíno com a perna esfolada solta um gemido e desaparece em meio ao sangue. Quem vê? Quem ouve? Amanhã tem mais, sempre tem…

Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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