Coats: Matamos bilhões de animais enquanto desejamos paz

O escritor informa que normalmente os animais explorados pela indústria não vivem mais do que 1/3 do que viveriam (Foto: Tras Los Muros)

Lançado em 1989, o livro “Old MacDonald’s Factory Farm”, do defensor dos direitos animais C. David Coats traz uma capa bonitinha, bem colorida. Quem o julga a partir da imagem principal engana-se ao pensar que se trata de mais uma obra que romantiza a exploração animal. Muito pelo contrário.

A realidade é ilustrada por uma imagem menor, em preto e branco, que dá o tom do conteúdo do livro que propõe um debate bem atual, que dialoga com a realidade no que diz respeito à dura vida dos animais criados, principalmente nos moldes industriais, para serem reduzidos a alimentos e outros produtos.

No prefácio da obra, já são levantadas pertinentes reflexões que destacam como o ser humano consegue ser contraditório e destrutivo:

O ser humano não é um animal maravilhoso? Ele mata animais selvagens – pássaros, todos os tipos de felinos, coiotes, castores, marmotas, camundongos, raposas e dingos – aos milhões com a intenção de proteger os animais de criação e seus alimentos. Então ele mata os animais de criação aos bilhões e os come.

Esse hábito, por sua vez, mata milhões de seres humanos; porque comer todos esses animais leva a condições degenerativas de saúde que são fatais, como doenças cardíacas, doenças renais e câncer. Na sequência, o ser humano tortura e mata milhões de animais para encontrar a cura para essas doenças.

Situação piorou nos anos 1980 

Em outros lugares, milhões de seres humanos estão morrendo em decorrência da fome e da desnutrição; isto porque os alimentos que eles poderiam comer estão sendo usados na engorda de animais de criação. Enquanto isso, algumas pessoas estão tristemente morrendo de rir desse absurdo da humanidade, que mata tão facilmente e violentamente, e uma vez por ano envia cartões orando pela paz na Terra.

Em “Old MacDonald’s Factory Farm”, C. David Coats aponta que nos anos 1980 já era difícil encontrar animais brincando nas fazendas, e porque as técnicas de produção em massa e os programas de eficiência do agronegócio já se voltavam para os volumes excessivos de produção com custos cada vez menores. Ou seja, a banalização da vida acentuou-se e os animais passaram a amargar ainda mais privação e sofrimento com o surgimento da pecuária intensiva e das chamadas fazendas industriais.

Afastados de uma realidade em que podem expressar todos os seus comportamentos naturais, os animais reduzidos a produtos não passam de matéria-prima. Em crítica a essa normalização da crueldade, Coats narra o que há de mais sombrio na natureza humana na sua relação com as outras espécies quando motivado pela ambição e ganância. Ele cita como exemplo a realidade de animais confinados em espaços onde a movimentação é praticamente impossível. Também discorre sobre suas pesquisas na indústria da suinocultura, onde testemunhou animais vivendo acorrentados.

Expectativa de vida determinada pelo mercado

O escritor informa que normalmente os animais explorados pela indústria não vivem mais do que um terço do que viveriam se não fossem explorados e mortos. Porcos em caixas e gaiolas, gado com o chifre arrancado sem anestesia, vacas leiteiras mortas e reduzidas a hambúrguer quando já não atingem a meta na produção de leite; bezerros mantidos anêmicos no escuro até serem abatidos para que as pessoas possam comer bifes de vitela; aves com bicos cortados com lâmina quente e confinadas a vida toda; tudo isso endossa um cenário macabro que faz parte da realidade cotidiana da maioria dos “animais de criação”.

No livro, o cenário da produção de alimentos de origem animal é descrito com uma crueza fiel à realidade, distanciando-se de forma visceral da propaganda que faz os animais parecerem felizes em morrer para saciar supostas necessidades humanas. É um retrato de uma realidade que só pode ser compreendida dessa forma se o leitor analisá-la de forma conscienciosa. Na perspectiva de C. David Coats em “Old MacDonald’s Factory Farm”, é preciso se colocar no lugar do animal ou pelo menos reconhecer que não são apenas os seres humanos e os outros animais com quem convivemos no cotidiano que têm direito à vida.

Fazendas onde os animais se divertem “doando” leite, ovos e carne? Não no mundo real, deixa claro C. David Coats que também aborda temas como impacto ambiental, engenharia genética e consequências dos produtos de origem animal para a saúde humana. Ele discute ainda a expansão da agropecuária e a absurda quantidade de área destinada à produção de alimentos usados na nutrição animal. Outro ponto de destaque do livro é o debate sobre a aplicação excessiva de antibióticos nos “animais de criação”, o que já era visto nos anos 1980 como um perigo para a saúde humana.

Livro ainda é bem atual 

Ademais, Coats não se limita a criticar a exploração animal. Como o livro é resultado de anos de pesquisa, ele também apresenta ações e ideias de projetos de transição da agropecuária para produções sustentáveis que não gerem privação e sofrimento animal – como a de alimentos orgânicos, entre outras sugestões que poderiam ser colocadas em prática para substituir produtos de origem animal.

Mesmo lançado em 1989, o livro discorre sobre problemas que ainda compõem a nossa realidade. Em uma rápida pesquisa em outras fontes, encontramos provas de que ainda hoje os animais estão longe de ter uma vida justa. Tal conclusão, até mesmo excetuando a questão de tortura ou outros tipos de violência, parte do princípio de que são seres sem direito à vida, já que existem apenas para atender nossas pretensas necessidades e morrer, cumprindo um papel que é vantajoso ao ser humano, mas nocivo às espécies que têm suas expectativas de vida reduzidas.

Tantos anos após o lançamento do livro de C. David Coats, vimos poucas mudanças positivas em relação a isso, até porque a demanda por produtos de origem animal, acompanhando o crescimento populacional, aumentou muito desde o final da década de 1980. Segundo Osler Desouzart, membro da diretoria consultiva do World Agricultural Forum e diretor da OD Consulting, em 1980 o consumo de carnes per capita era de 30,6 quilos ao ano, e em 2013 chegou a 43,1 quilos.

Em um mundo onde a demanda é muito grande, naturalmente abre-se bastante espaço para a omissão no que diz respeito à violência contra animais objetificados, já que há uma naturalização e legitimação da violência em prol de um pretenso bem maior – a produção de carne, leite, ovos e outros produtos que custam a privação e a vida de seres não humanos sencientes.

No livro, o cenário da produção de alimentos de origem animal é descrito com uma crueza fiel à realidade (Fotos: Reprodução)
Jornalista e especialista em jornalismo cultural, histórico e literário (MTB: 10612/PR)

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