Criadores de cavalos tumultuam votação pela redução do uso de tração animal em MG

Foto: Pixabay

Um espetáculo de berros e avacalhações foi testemunhado na segunda-feira (20) na Câmara Municipal de Três Corações (MG), durante sessão ordinária que, entre outras pautas, votaria em segundo turno o Projeto de Lei 5486/2021, de Juliana Prudêncio, José Antonio Valin, Vinicius Pinto Dutra e Weverton Aguiar Expedito. Os vereadores propõem a redução gradativa da circulação de veículos tracionados por animais (VTAs) mediante ações que viabilizem outras formas de trabalho a partir de um cadastramento.

A sessão contou com apenas três carroceiros na plateia, identificados por eles próprios durante a fala do deputado estadual Noraldino Junior, que destacou por meio de emenda parlamentar todos os veículos que poderiam substituir os animais para a condução das carroças sem a exploração dos equídeos.

Por outro lado, os demais espectadores barulhentos se autodenominavam criadores e amantes de cavalos. Sem relação com a atividade carroceira, se autodeclaravam apoiadores dos condutores de VTAs contra o projeto de lei e vaiaram e tumultuaram a votação, interrompida inúmeras vezes pelo presidente da sessão que pedia educação e calma para continuarem com o pleito.

Em meio à polêmica, alguns vereadores nitidamente constrangidos pelos espectadores rumorosos começaram a declarar em público seu arrependimento pelo voto a favor do projeto em primeiro turno, na semana anterior, alegando ter sido um erro, sob justificativa de não terem lido o texto ou de não estarem presentes no dia para melhor debatê-lo. Isso gerou indignação dos próprios colegas parlamentares indagando a responsabilidade de um legislador ao apreciar um projeto de lei que é colocado em votação.

Em outro momento mais caloroso do debate, um dos “apoiadores” dos carroceiros, de nome Chico subiu à tribuna após os vereadores acuados terem concedido uma exceção, já que ele não havia seguido o pleito da casa em solicitar por requerimento o direito de fala. Mas que, neste caso, acabou sendo concedido pelos berros e ameaças dos espectadores que se diziam indignados pelo fato dos apoiadores do PL estarem em maior número, o que foi esclarecido por um dos parlamentares, em meio às mencionadas vaias, de que estes haviam seguido o regimento e solicitado o direito de subir à tribuna.

Durante a explanação de Chico, este definiu os carroceiros como coitadinhos e, em tom de ironia chegou a dizer que iria procurar uma ONG para participar, já que os protetores estavam muito radicais, defendendo os animais – o que fez com que o orador fosse ovacionado pela plateia agitada, corroborando para que os vereadores pedissem o adiamento da votação, justificando em vários momentos que o projeto seria rejeitado.

Vale lembrar, como já publicamos por aqui, em matéria de 12 de outubro, por exemplo,  que protetores e ativistas vêm desempenhando o papel do poder público, no sentido de tutelar e cuidar de animais explorados, maltratados e submetidos à crueldade pelo país afora, quase sem auxilio nenhum dos órgãos públicos e também sem a devida identificação e punição dos infratores, já que o Legislativo e Executivo, de forma geral, têm se mostrado bastante inertes em promover a fiscalização e a conscientização da população quanto aos direitos dos animais previstos em leis federais e em nossa Constituição.

Diante de tantas escusas e controvérsias, a Vegazeta acessou o PL 5486/21, por meio da Câmara dos Vereadores – acesso este disponível a qualquer cidadão – reproduzindo, a seguir, alguns trechos do projeto:

Art. 1º Fica instituído, no Município de Três Corações, o Programa de Redução Gradativa de Veículos de Tração Animal.

(…)

II – as ações que viabilizarão a transposição dos condutores de VTAs para outras
formas de trabalho que não envolvam a tração animal, por meio de políticas públicas de
transposição anual que contemplem todos os condutores de VTAs identificados e cadastrados pelo
Executivo Municipal;

II – disponibilizará vagas para a alfabetização de jovens e adultos e conclusão do
Ensino Fundamental para os condutores de VTA e seus familiares.

  • 1º – Dentre as ações de que trata o inc. II do art. 2º desta Lei, estarão aquelas que
    qualifiquem e apoiem ações em favor dos condutores de VTAs identificados e cadastrados pelo
    Executivo Municipal, preferencialmente desenvolvendo projetos para serviços de frete e
    reciclagem de resíduos, observando as políticas públicas atinentes as atividades.

CAPÍTULO II
DAS PROIBIÇÕES
Art. 4º Ficam proibidos:

(…)

VI – a utilização do animal por mais de 08 (oito) horas de trabalho, ficando obrigatório
o intervalo de 02 (duas) horas a cada 04 (quatro) horas de trabalho;
(…)
VIII – fazer os animais carregarem peso superior a 100 kg;
IX – descartar lixo em local inadequado;

Em sua justificativa o PL embasa a necessidade do bem-estar aninal evitando, por meio da medida proposta, a permanência dos maus-tratos e da exploração destes animais, assim como, enfatiza pontos sociais como a melhor moblidade urbana já que os veículos de tração animal dificultam o trânsito, referenciando o estágio de evolução da sociedade que aliado à nova paisagem urbana não permite mais o uso desses animais atrelados a veículos de tração transitando em meio a carros, ônibus e motocicletas que se deslocam rapidamente, o que pode ocasionar graves  acidentes vitimando pessoas e os próprios animais.

De acordo com os vereadores, o projeto será reavaliado em fevereiro de 2022.

Nota de repúdio

Ontem (21), a Câmara Municipal de Três Corações emitiu uma nota repudiando ofensas contra a vereadora Juliana Prudêncio por causa do projeto de lei.

“Em um vídeo, compartilhado nas redes sociais, uma pessoa refere-se à vereadora como ‘delinquente’, entre outras ofensas. O suposto crime de injúria ocorreu após a insatisfação de um cidadão com o projeto de lei que atualmente tramita nesta casa legislativa, de iniciativa da vereadora, que ‘institui o programa de redução gradativa de veículos de tração animal no âmbito do município de Três Corações'”, informa a Câmara.
E continua: “Ressaltamos que a liberdade de manifestação do pensamento é legítima e está pautada nos princípios da democracia, no entanto, não deve ser confundida com o desrespeito, tampouco respaldar a prática de crime contra qualquer cidadão, seja ele figura pública ou não. Diante disso, o Poder Legislativo se solidariza à vereadora Juliana Prudêncio e repudia os ataques e a prática de crimes contra a sua pessoa. Ofender a honra e a dignidade de alguém é crime, razão pela qual todas as medidas cabíveis serão tomadas.”

 

Daniela Sousa é responsável pela assessoria de comunicação do movimento Brasil Sem Tração Animal e Direito Animal Brasil (Dabra).

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